Deus da Carnificina chega pelas mãos de Polanski

por Marcelo Seabra

Depois do sucesso em teatros franceses, londrinos, americanos e até brasileiros, era hora da peça Deus da Carnificina, da francesa Yasmin Reza, chegar aos cinemas. Coube ao exilado Roman Polanski (de O Escritor Fantasma, de 2010) conduzir a adaptação, Carnage (2012), que chega ao Brasil com o mesmo título da peça. Curta e em tempo real, a história acompanha dois casais que, após uma rápida troca de gentilezas, partem para cima com agressões verbais e julgamentos. Nada muito sangrento, no entanto, como se poderia pensar.

Em tempos de discussões sobre bullying, a trama se torna ainda mais relevante. Ela começa quando os dois casais se encontram para discutir a briga dos filhos. Em um parquinho, um garoto bateu no outro com um pedaço de pau e lhe arrancou dois dentes. Os pais do agredido (Jodie Foster e John C. Reilly) se mostram compreensivos e recebem os pais do agressor (Christoph Waltz e Kate Winslet) para que possam discutir a melhor forma de colocar um ponto final no caso. Um teoricamente rápido encontro de conciliação acaba virando um bate-boca digno de quatro crianças.

Enquanto os convidados se mostram mais ricos e bem sucedidos, os anfitriões parecem acomodados com um padrão de vida mais classe média. Daí, já se sabe qual postura cada um vai assumir, o que não dura muito tempo. Então, eles começam a alternar os papéis, fugindo dos estereótipos iniciais, e brigam até entre si – marido contra mulher. Em menos de uma hora e vinte de filme, eles mostram que belos exemplos são para os filhos e servem de representação para o quanto hipócrita a sociedade pode ser. Os vários países onde a peça teve público e prêmios comprovam que não se trata de um problema localizado, mas geral. Até na nacionalidade e sotaque dos atores se percebe isso.

Vista recentemente em Um Novo Despertar (The Beaver, 2011), Jodie Foster está particularmente irritante. Ela é a típica intelectual de butique que se acha melhor que os outros, até que o marido. Reilly, igualmente competente, volta ao papel de pai banana de Precisamos Falar Sobre o Kevin (We Need to Talk About Kevin, 2011) e, na maior parte do tempo, se contenta em dar suporte à esposa enjoada. O outro casal não parece estar muito bem, já que o marido trabalha muito e não dá muita atenção à família. Kate (Contágio, 2011) chega com uma pose de segurança que logo se desmancha, enquanto Waltz (Água para Elefantes, 2011) dá um show como o personagem que parece ser o mais sensato, ou apenas o menos falso.

Os diálogos são afiados, mas soam planejados, conduzindo os personagens até onde eles devem chegar. É como se os pontos inicial e final de suas trajetórias já estivessem definidos de cara, eles só precisam percorrer o caminho. Deus da Carnificina é muito bem filmado, o espaço físico – o apartamento – é bem aproveitado, a fórmula toda parece ter muita harmonia. Mas, com tantos nomes grandiosos envolvidos, esperava-se mais, e ele fica bem ali na média.

E o cenário é sempre este: o apartamento

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Filho entre amigos é mote para comédia romântica

por Marcelo Seabra

Depois de ser torturado pelo desprezível Operação Madrinhas de Casamento (Bridesmaids, 2011), dá para ficar com medo de conferir Solteiros com Filhos (Friends with Kids, 2012). Afinal, algumas caras são comuns a ambas as produções. Mas, felizmente, as diferenças são gritantes, começando pelo tipo de humor, que passa longe do escatológico e apelativo das tais madrinhas. Solteiros é o máximo que uma comédia romântica pode ser. Não significa tanto, mas é o suficiente para um bom programa no cinema.

Depois de roteirizar e produzir duas produções de menor apelo e em parcerias (Beijando Jessica Stein e Ira & Abby), Jennifer Westfeldt resolveu assumir os riscos sozinha e tomou a frente de um longa. Além de atuar, escrever e produzir, ela também dirigiu Solteiros com Filhos, dando um tempo nas várias séries de TV que vinha fazendo – como a temporada de 2010 de 24 Horas. O marido de Jennifer, Jon Hamm (ninguém menos que o Don Draper de Mad Men), chamou os amigos de Madrinhas – Maya Rudolph, Kristen Wiig e Chris O’Dowd – e entrou no barco também, deixando o papel principal para a esposa e Adam Scott, outro sujeito que costuma aparecer menos do que merece, com pontas em filmes esquecíveis como Casa Comigo? e Piranha, além de séries.

Scott vive um executivo (o trabalho mesmo não fica claro qual é) moderno, narcisista e muito sincero que divide com a melhor amiga (Jennifer) até as conquistas sexuais. Os dois formam um casal incomum, têm uma intimidade em que um chega a completar as frases do outro, mas não se vêem como seres sexuais. O círculo de amizades deles é bem fechado, contando com outros dois casais (Maya com O’Dowd e Hamm com Kristen), e os seis estão sempre próximos. Até que começa a fase de “estamos grávidos” e Jason e Julie começam a especular sobre o efeito de filhos no casamento dos pais. Até que decidem ter um filho e manter a amizade. Sim, o roteiro é previsível e esquemático. E daí?

Com o tempo, tanto Jason quanto Julie começam a se envolver mais seriamente com outras pessoas (Megan Fox e Edward Burns, respectivamente – ambos representando parceiros ideais) e a relação deles começa a passar por complicações. Logo eles, que queriam evitar problemas, quem diria! Claro que certas coisas estão claras desde o início. Mas diálogos inteligentes e boas atuações tornam a experiência bem agradável, sendo um daqueles filmes que agradam a mocinhas e mocinhos, e pouco depois já foram esquecidos. O’Dowd é uma figura engraçada até sem fazer esforço e os protagonistas seguram bem suas obrigações. Os demais apenas compõem o quadro, e é curioso pensar que este grupo de amigos é assim tão fechado, com as mesmas caras em todas as festas e reuniões, sem variações.

Em sua primeira missão solo, Jennifer Westfeldt foi bem sucedida. Mas, no futuro, um grupo que conte com Maya Rudolph e Kristen Wiig vai continuar me assustando, tamanho o estrago que Madrinhas causou.

O’Dowd, Kristen, Maya e Hamm são os casados com filhos

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Christian Bale vai à China em Flores do Oriente

por Marcelo Seabra

Tem gente que não acredita em jornadas de personagens, quando aquele sujeito começa a história apático, ou mesmo mau, e algo acaba tocando-o, mudando seu destino. Além de ser irritante ter que acreditar que esse tipo de crescimento pessoal aconteça com frequência, o caminho entre os dois extremos tem que ser muito bem planejando, para não soar como o que de fato é: um artifício do roteiro. Em cartaz nos cinemas, Flores do Oriente (Flowers of War, 2011) apresenta esse amadurecimento em meio a um massacre histórico.

Ao contrário do que geralmente acontece quando esse clichê é usado, aqui ele até funciona. O “padre” John Miller (vivido pelo Batman Christian Bale) é apresentado como um bêbado que só vê dinheiro à sua frente. Ele consegue cobrar até para salvar pessoas da morte certa em um desolador cenário de guerra. No entanto, o convívio com as mulheres que se refugiam com ele em uma igreja acaba tendo exatamente o efeito de fazê-lo amadurecer. Fica tudo bem crível, qualquer exagero é evitado e, o que é o mais importante: ele se torna uma pessoa melhor ao conviver com pessoas moralmente bem superiores a ele. Os pontos negativos são a monotonia que às vezes toma conta (são 140 minutos de exibição!) e a excessiva beleza plástica, que diminui o impacto da violência e dos atos mostrados. A criação de um protagonista americano para salvar as chinesas também é questionável, prática comum no cinema quando os personagens são de alguma minoria.

Miller entra em cena buscando a tal igreja, já que foi contratado para enterrar o padre até então encarregado. Ele encontra duas estudantes no caminho e acaba sendo guiado por elas, que se juntam ao resto da turma. Pouco depois, buscam abrigo algumas prostitutas que divertiam os homens em um famoso bordel da região. Fora da igreja, japoneses trucidam chineses no episódio que ficou conhecido como “O Massacre de Nanquim” (ou “O Estupro de Nanquim”). A então capital chinesa foi tomada em 1937 pelo exército imperial japonês que, não satisfeito em subjugar a população, cometeu atrocidades como estupros, incêndios, saques e assassinatos a sangue frio. Mulheres eram abusadas sexualmente para, em seguida, serem executadas. Muitos corpos foram encontrados com as mãos amarradas para trás e não se tem o número exato de mortos, com estimativas indo de alguns milhares (segundo o Japão) a trezentos mil (segundo os chineses).

Quando oficiais japoneses entram na igreja, Miller acha uma boa ideia se passar por padre para proteger as jovens, e as prostitutas ficam escondidas no porão. Existia uma falácia de que ocidentais eram intocados, ainda mais um padre. A confiança depositada em Miller faz com que ele se esforce para salvar as mulheres. É curioso pensar que centenas de milhares de pessoas foram mortas no conflito, mas salvar aquelas 25 mulheres se torna uma questão de honra.

Bale não é estranho a filmes de guerra. Sua carreira praticamente começou com O Império do Sol (Empire of the Sun, 1987), no qual ele fugia de japoneses durante a Segunda Guerra. E ele foi um dos Swing Kids (ou Os Últimos Rebeldes, longa de 1993). Depois de alguns papéis no piloto automático, Bale não ficou conhecido por ser muito expressivo. Felizmente, isso vem mudando, e ele até levou o Oscar de ator coadjuvante por O Vencedor (The Fighter, 2010). Essa melhora também é observada em Flores do Oriente, justificando a escolha de Bale como o chamariz para o público ocidental, que poderia não se interessar se o elenco fosse todo composto por chineses e japoneses. Não faria diferença se o personagem fosse chinês, mas criaram um coveiro americano – e chamaram um ator galês. Os demais nomes (destaque para a novata Ni Ni e para o garoto Huang Tianyuan) cumprem bem seus papéis, compondo um belo diferencial para o longa.

Foram gastos quase US$100 milhões, dando a Flores do Oriente o título de filme mais caro do cinema chinês, soma digna dos grandes estúdios de Hollywood. E a bilheteria já alcançou o triplo desse valor, o que torna a produção bem sucedida financeiramente. O diretor Zhang Yimou, um dos nomes mais significativos do cinema chinês (de Lanternas Vermelhas e O Clã das Adagas Voadoras), tomou uma decisão corajosa ao levar adiante a adaptação do romance 13 Flores de Nanquim, de Yan Geling. O Massacre de Nanquim ainda é cercado de polêmica, suas causas nunca chegaram a serem explicadas e os criminosos de guerra nem chegaram a ser punidos, salvos em negociações com o governo americano.

Estudantes e prostitutas se misturam na igreja abandonada

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Gringo Gibson continua em forma aos 56

por Marcelo Seabra

Mostrando muito vigor do alto de seus 56 anos, Mel Gibson continua firme à frente de uma boa aventura. É o que confirma o divertido Plano de Fuga (Get the Gringo, 2012), um longa de ação bem amarrado que só vai exigir uma hora e meia do seu tempo, mas o retorno é bom o suficiente. Seja correndo, atirando ou explodindo coisas, Gibson continua o mesmo. No bom sentido.

Com vários personagens com tendências homicidas/suicidas em seu currículo, não seria agora que Gibson iria mudar. Ele vive um sujeito sem nome, identificado apenas como “motorista” (ou “Driver”), que vai parar em uma prisão mexicana a céu aberto. É como se fosse uma pequena cidade, cercada por policiais, que só servisse para reunir tipos condenados pelos mais variados crimes. E, em meio a todos esses mexicanos, chega um gringo que chama a atenção dos locais até calado, em seu canto.

O motorista ensaia uma amizade com um garoto de nove anos que é bem mais esperto que o normal para a idade, e começa a conhecer os habitantes e o funcionamento do lugar. Logo, ele aprende o papel de cada um lá e percebe que não será muito fácil fugir. Mas, ao mesmo tempo, todos têm seu preço e tudo pode ser conversado. Basta a oferta ser boa. Dessa forma, o criminoso – que num lugar como esse parece o mocinho – vai tramando seu plano de fuga, como o título nacional deixa claro. Como ele sempre destoa em meio aos nativos e rapidamente arruma confusão, o título original é bem apropriado: “pegue o gringo”.

Depois de viver figuras como Mad Max Rockatansky, Martin Riggs (de Máquina Mortífera), Bret Maverick e o Porter de O Troco (de1999), Gibson tem diploma na escola de personagens safos, escorregadios, que sacam as coisas e conseguem sair bem. Nem que, para isso, ele tenha que se passar por Clint Eastwood. O que não deixa de ser uma homenagem interessante, já que o motorista não passa de mais um “cavaleiro solitário”, tipo imortalizado por Clint – e também visto recentemente em Drive, de 2011. Depois do drama Um Novo Despertar (The Beaver, 2011) e de alguns escândalos nos tablóides, nada como voltar a terreno conhecido, não é, Mel?

Se acreditarmos no filme, todos no México são corruptos e a polícia pode ser pior que os bandidos. Mas não foi vista uma campanha contra Plano de Fuga, como ocorreu com o sofrível Turistas (2006) no Brasil. Tudo não passa de uma brincadeira com estereótipos, levados ao extremo e, por isso, tratados de forma bem humorada. E os americanos também não são poupados, todos que aparecem em cena têm interesses escusos e ninguém é santo.

Além de atuar, Gibson escreveu e produziu Plano de Fuga, deixando a direção a cargo de seu conhecido Adrian Grunberg, que foi assistente ou diretor de segunda unidade em diversas produções e faz aqui a sua estreia no comando de um longa, além de também ter escrito. Os dois trabalharam juntos em Apocalypto (2006) e O Fim da Escuridão (Edge of Darkness, 2010). Gruberg mostra que está no caminho certo e já sabe entreter seu público. Resta saber o que Gibson fará como vilão em Machete Kills, sequência do horroroso Machete (2010). Vai merecer, no mínimo, uma conferida, e sua presença já levanta um pouco as expectativas.

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MIB 3 tem dois K e quase nada de J

por Marcelo Seabra

Misturando duas tendências observadas atualmente, as adaptações de quadrinhos e as sequências de sucessos passados, chega aos cinemas nacionais Homens de Preto 3 (Men in Black 3, 2012), mais uma aventura com os personagens de Will Smith e Tommy Lee Jones. Já estando na terceira parte, o quesito originalidade não se aplica mais, mas a boa notícia é que a trama, baseada em uma ideia antiga de Smith, traz frescor à série e recupera o clima do primeiro filme, de 1997.

São dez anos que separam este do segundo episódio, e esta distância foi necessária para que se esquecesse a fraca história que contava com Lara Flynn Boyle como vilã. Nenhum dos envolvidos queria simplesmente repetir a fórmula “alien vem para a Terra destruir tudo e os agentes devem resolver o problema”. Por isso, ainda durante as filmagens, em 2002, Smith procurou o diretor Barry Sonnenfeld com a ideia de J (Smith) ter que voltar ao passado para salvar K (Jones) e, por tabela, conhecer melhor o parceiro.

Em meio a mais um caso de ataque alienígena a ser contornado, nos encontramos novamente com os agentes J e K, que têm que limpar a cena, apagar a memória das testemunhas e plantar uma nova explicação para o fato presenciado. Ao mesmo tempo, conhecemos o novo vilão, o grotesco Boris, o Animal (“É só Boris”, ele diria – acima). Ele foge da prisão e só tem um objetivo em mente: eliminar seu maior desafeto, justamente o agente K. Para isso, ele pretende executar um plano mirabolante: usar um dispositivo e voltar no tempo, acertando K em 1969, quando eles tiveram o principal embate.

A viagem no tempo nos permite ver muitas coisas interessantes, como as armas usadas na época. O QG dos Homens de Preto está mais para o escritório da série Mad Men, com todos aqueles penteados e figurinos próprios para a década, tudo muito adequado. O diretor de arte Bo Welch, indicado ao Oscar pelo primeiro filme (além de outras três indicações – e do recente Thor, de 2011), faz um belo trabalho técnico. É fantástico o contraste entre as versões do QG de hoje e de 1969. E há várias referências, tanto a celebridades (caso de Justin Bieber, Lady Gaga e Mick Jagger) quanto a elementos dos longas anteriores, como o cão Frank, o que serve como mais um atrativo aos fãs.

Como novidade no elenco, temos Emma Thompson (a Professora Sybil Trelawney de Harry Potter) e Alice Eve (de O Corvo, 2012) dividindo o mesmo papel, além de Bill Hader (de Superbad, de 2007) como um engraçado Andy Warhol e Michael Stuhlbarg (de A Invenção de Hugo Cabret, 2011), vivendo um curioso alien que consegue transitar entre as linhas temporais. Dando vida a Boris, o comediante e dublador Jemaine Clement (da série The Flight of the Conchords, 2007-2009) tem uma boa ajuda da maquiagem (de Rick Baker) e dos efeitos visuais para ser nojento e ameaçador na medida certa.

Mas o grande destaque, de longe, é a interpretação de Josh Brolin (de Bravura Indômita, 2011 – ao lado, com Alice Eve) como a versão mais jovem de K. Brolin consegue usar os trejeitos de Jones muito bem, com algumas inovações, já que o episódio em 1969 teve sérios reflexos na personalidade dele. Fica muito claro o que muda na postura do personagem, o que só o faz crescer, ter mais profundidade.

No meio disso tudo, Will Smith acaba passando batido. Nem a música tema ele assina, caso dos filmes anteriores. A câmera bem que tenta valorizar as caras e bocas e as piadinhas do ator, mas qualquer outro profissional que estiver cena consegue ter mais destaque. Smith, que esteve no Rio de Janeiro (com Brolin) para o lançamento de Homens de Preto 3, vai acabar dando lugar ao filho, Jaden, que parece estar mais em alta em Hollywood. Atéo diretor Sonnenfeld brincou, em entrevista à revista Empire, que poderia chamar o garoto para um possível reboot da franquia.

O lendário Rick Baker e algumas de suas criaturas

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Poe vira personagem em suspense morno

por Marcelo Seabra

Muito antes de conhecermos os quadrinhos de James O’Barr ou a adaptação deles ao cinema (em 1994), o corvo já era um animal macabro, símbolo de possíveis tragédias. Não foi à toa que o notório Edgar Allan Poe (1809-1849) o escolheu como mote para um longo e belo poema publicado em 1845. Agora, o escritor virou personagem e deve descobrir a identidade de um serial killer em um longa intitulado justamente O Corvo (The Raven, 2012). Apesar de ter tido uma recepção fria no exterior, a obra até consegue divertir, mesmo sem fugir do esperado.

É sabido que Poe (ao lado) foi encontrado pelas ruas de Baltimore, bem debilitado, dizendo coisas sem sentido. Quatro dias depois, seu corpo desistiu e ele faleceu aos 40 anos. Há especulações do que o teria levado à morte, desde álcool a cólera, mas nada foi conclusivo. Temos, aí, a brecha para o desenvolvimento de uma história de suspense que pretende utilizar elementos das tramas sangrentas e macabras do próprio Poe para ficcionalizar o que poderia ter acontecido.

Quando o filme começa, descobrimos que o hoje reverenciado autor (vivido por John Cusack – ao lado) era tido como um bêbado dado a arroubos esporádicos de genialidade. Nesses momentos, escreveu obras como O Corvo, O Poço e o Pêndulo, o Mistério de Marie Roget e Os Crimes da Rua Morgue. No resto do tempo, escrevia críticas literárias atacando até nomes já estabelecidos, além de consumir altas doses de álcool. A falta de reconhecimento o incomodava, e a atenção que buscava veio da pior forma: um inspetor da polícia (Luke Evans) lembra das histórias de Poe quando começa a investigar um crime monstruoso e inicialmente impossível. Uma senhora e sua filha foram assassinadas brutalmente em um apartamento aparentemente lacrado, com porta trancada e janelas fechadas a pregos, bem como no terror da rua Morgue. E este foi apenas o primeiro de uma série de assassinatos inspirados na obra de Poe.

Quando o escritor coloca toda a sua capacidade investigativa a serviço da lei, é inevitável a comparação com o grande detetive da literatura que também andou frequentando os cinemas. Mas O Corvo é mais lento e menos arrojado que os Sherlock Holmes de Guy Ritchie. James McTeigue, depois de aprender o ofício com os irmãos Watchowski, comandou V de Vingança (V for Vendetta, 2005) e Ninja Assassino (Ninja Assassin, 2009), duas produções que passaram longe de ter uma grande aceitação. E aqui falta uma dose de inovação, um mistério mais intrincado. Tudo é muito simples, entregado de mão beijada, o que traz pouca importância ou urgência à trama.

O elenco, o figurino, as locações, tudo está tecnicamente impecável. John Cusack (de A Ressaca) parece um pouco fora de lugar, mas consegue compor um personagem crível, com seus momentos engraçados e tristes se alternando. O problema é que, às vezes, cabe ao público decidir qual é um e qual é o outro, o tom não é bem definido. Luke Evans (de Os Três Mosqueteiros, 2011 – ao lado, com Cusack) traz uma paixão e uma dedicação que fogem aos inspetores normalmente retratados na literatura, como o incompetente Lestrade de Conan Doyle. A Alice Eve (de Sex and the City 2, 2010) cabe pouco, basta ficar em perigo e mostrar as emoções básicas de uma mocinha clássica. E o pai da garota, o rico Capitão Hamilton, é defendido pelo sempre competente Brendan Gleeson (de Protegendo o Inimigo, 2012), que não tem muito como aparecer mais.

Um problema para O Corvo, além de um assassino insosso, pode ser o fato de ser amarrado com fatos históricos comprovados por documentos e depoimentos. Em Do Inferno (From Hell, 2001), por exemplo, as brechas são bem preenchidas e não ficam pontas soltas, o que deixa o espectador com a pulga atrás da orelha. Os anúncios que Poe publica no jornal, por exemplo, nunca existiram, e se faz necessária a invenção de provas. Isso enfraquece a premissa, já deixando claro que, por mais que se trate de uma ficção assumida, aquilo nunca poderia ter sido a real explicação para os últimos dias de Poe. Lá se vai o estímulo da audiência.

Até os Simpsons já usaram o poema O Corvo – para uma paródia, claro!

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Drogas podem levar a Paraísos Artificiais, ou não

por Marcelo Seabra

Tem gente que reclama que filme nacional é só violência e miséria. E faz cara feia para as comédias românticas, e a maioria não presta mesmo. Tirando isso, o que sobra? Paraísos Artificiais (2012) é um exemplo do que pode ser feito fugindo do lugar-comum. Trata-se da estreia do premiado Marcos Prado na direção de um longa de ficção, depois de escrever e comandar o elogiado documentário Estamira (2004) e de produzir também os dois Tropa de Elite (2007 e 2010), entre outros.

Publicado em 1860, o livro Paraísos Artificiais, do poeta francês Charles Baudelaire, descrevia o efeito de três drogas populares na época: o haxixe, o ópio e o vinho. O filme usa o mesmo título, mas parte para drogas mais modernas, sintéticas, e para o universo dos jovens atuais, os que não sabem bem o que fazer da vida. As drogas bem podem levar a estes paraísos, mas corre-se o risco de a experiência não ser tão boa e um inferno poderá ser visitado. Como explica o maluco beleza Mark (Roney Villela), as drogas podem potencializar o que a pessoa já traz em si.

Com uma postura que tenta ser isenta, sem tomar nenhum partido, o filme acompanha três jovens cujos caminhos acabam se encontrando. Nando (Luca Bianchi – ao lado) é um artista carioca que vai parar na Holanda; Érika (Nathalia Dill) é uma DJ em ascensão que freqüenta as festas mais badaladas; e Lara (Lívia de Bueno) é a amiga colorida que segue Érika pelo mundo. A trama não é linear, mostrando momentos diferentes nas vidas deles, passando por locações na Holanda, Pernambuco e Rio de Janeiro.

A relação entre os irmãos Nando e Lipe (César Cardadeiro) tem um quê de A Outra História Americana (American History X, 1998), assim como a estrutura familiar deles. É possível perceber influências de alguns filmes, e fica a impressão que Prado e seus outros roteiristas, Cristiano Gualda e Pablo Padilla, procuraram dar mais base a seus personagens, abrangendo áreas variadas de suas vidas. Não só eles não dão essa profundidade aos jovens como, por tratarem vários assuntos, acabam ficando no superficial, nunca atingindo o impacto de obras como o já citado American History X.

Apesar de simplista em alguns aspectos, Paraísos Artificiais mostra bem o mundo das raves chiques, em lugares paradisíacos. A fotografia de Lula Carvalho é impecável, como toda a parte técnica do filme. O diretor chega muito perto de simular as sensações dos
personagens, fazendo com que o público os acompanhe em vários momentos, seja numa cena de sexo, seja numa viagem lisérgica. Prado pretendia oferecer um grito contra a caretice do cinema nacional, como afirmou em entrevista ao portal UOL. Para isso, usou e abusou do corpo de suas protagonistas, o que pode servir de chamariz para o público masculino.

O elenco, que contou com a preparadora tarimbada Fátima Toledo, está muito bem. Nathalia e Biachi já haviam sido figurantes sob a batuta do produtor Prado em Tropa de Elite, e encaram aqui a primeira vez como protagonistas. Todos funcionam a contento, imprimindo carisma a seus personagens e dando força ao longa. Apesar dos defeitos, é uma boa estreia para Prado, que segue com uma ótima média entre seus trabalhos e já promete o próximo sobre gangues de torcedores de futebol. Ele pretende fazer algo como uma “trilogia jovem”, abordando os temas caros e esta parcela da população. O jeito é aguardar e torcer por cada vez mais qualidade.

O diretor Marcos Prado (de barba) e sua equipe

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Papel duplo prova o talento de Dominic Cooper

por Marcelo Seabra

Desde pequenos, na escola, as crianças apontavam a semelhança física entre Latif Yahia e Uday Saddam Hussein, o filho mais velho do futuro presidente/ditador do Iraque. Apesar de colegas de escola, os dois nunca foram grandes amigos, mas se encontrariam novamente anos depois. A fato da serem parecidos faz com que Latif seja procurado pela equipe de Uday, agora filho do homem mais poderoso do país, para ser seu dublê. Um belo emprego, este!

Em O Dublê do Diabo (The Devil’s Double, 2011), Dominic Cooper vive dois papéis: o psicótico playboy Uday e o militar Latif, que se vê obrigado a substituir o “príncipe negro” em eventos públicos, geralmente com risco de atentados. Latif, o verdadeiro, sobreviveu a nada menos que 12 tentativas de assassinato e conseguiu escrever o livro no qual o filme foi baseado. Por isso, percebemos que sua versão ficcional é a personificação do herói másculo e destemido que não titubeia em desafiar Uday. Ele só aceita a tarefa pelo medo de ter a família morta, e sob tortura.

Cooper, visto recentemente como o pai do Homem de Ferro em Capitão América (2011) e em Sete Dias com Marilyn (2011), faz um belo trabalho em sua jornada dupla. Como Uday, é estridente, tem uma risadinha irritante, é o centro das atenções, sempre tomando alguma atitude inesperada digna de um maníaco da pior espécie (e o filme parece ter atenuado as atrocidades da figura real). Como Latif, é mais compenetrado, sente nojo frente ao que vê, é um homem de família que sempre tem seus pais e irmãos consigo. A construção de ambos é detalhada, tanto física quanto psicologicamente. O ator, que vivia os dois personagens no mesmo dia, era obrigado a ir de um extremo a outro em pouco tempo e é o grande destaque do filme. É claro que devia ser mais divertido viver o louco Uday, mas Cooper nunca deixa de mostrar muita competência.

Como o diretor Lee Tamahori (de 007 – Um Novo Dia para Morrer, de 2002) e o roteirista Michael Thomas (do também biográfico Backbeat, de 1994) partem do relato do próprio Latif Yahia, é derrubada a possibilidade de a história ser fiel aos fatos. E eles ainda tiram e colocam de acordo com a necessidade, se afastando mais da realidade. O que, no caso de Uday Hussein, seria demais para lançar em filme. Obviamente, a obra não pode ser levada a sério como aula de história, apesar de representar bem determinados aspectos da vida no Iraque. Além de podermos entrar um pouco na casa de Saddam, outro sujeito digno de um estudo.

Apesar de viver escondido em algum lugar da Europa, temendo por sua vida mesmo anos depois dos Husseins terem partido, Yahia acompanhou as filmagens. Ele atuou como consultor e assistiu a O Dublê do Diabo ao lado de Cooper no Festival de Cinema de Berlim, uma experiência “comovente e perturbadora”, como descreveu. Para o resto do público, é tenso e interessante. Nem que seja para conhecer melhor o promissor Cooper, que já tem várias produções engatilhadas.

Eis o verdadeiro Latif Yahia

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50% de drama + 50% de comédia = bom filme

por Marcelo Seabra

Existe uma máxima de que filmes que tratam de questões sérias de saúde precisam ser dramalhões. Basta assistir a Laços de Ternura (Terms of Endearment, 1983) para confirmar. É preciso vir uma obra que traga leveza ao assunto, ao mesmo tempo em que evita ridicularizar ou mantê-lo na superfície. Para isso, talvez, seja necessário um roteirista que tenha passado por experiência semelhante. Temos, então, 50% (50/50, 2011), título que poderia servir também para definir a dose de comédia – e de drama – presente.

Muitos disseram tratar-se de uma comédia sobre o câncer, ou alguma bobagem assim. O longa é bem equilibrado, não excluindo alguns momentos difíceis, mas alternando-os com comentários espirituosos e situações com bom potencial cômico. O produtor de programas televisivos Will Reiser decidiu contar sua própria história, mesmo que inventando trechos e alterando nomes, e conseguiu trazer uma boa quantidade de realismo à luta de um jovem contra uma doença devastadora.

O bem escolhido elenco de 50% traz Joseph Gordon-Levitt no papel principal, e já é difícil lembrar dele como o ancião no corpo de uma criança da saudosa série Third Rock From the Sun (1996-2001). Figurinha fácil no cinema independente, ele vem pulando entre produções menores, como (500) Dias Com Ela ((500) Days of Summer, 2009), e maiores, como suas parcerias com Christopher Nolan, A Origem (Inception, 2010) e o novo Batman (2012). É impressionante como o ex-ator mirim se sai bem em todas elas, sempre dando a expressão adequada a seu personagem. Ele de fato merece o destaque que vem ganhando.

Ao lado de Gordon-Levitt, vem o inseparável amigo Seth Rogen (acima), o mesmo comediante rasteiro de Superbad (2007) e Ligeiramente Grávidos (Knocked Up, 2007). Embora sempre faça o mesmo papel, desta vez Rogen consegue se moldar à necessidade, conseguindo não passar da medida. Mesmo porque basta ser ele mesmo. O tosco de sempre é o amigo que Adam precisa para tentar superar o problema – e o ator é realmente muito próximo de Reiser e foi um dos responsáveis por conseguir tirar esse filme do papel. Anna Kendrick, indicada ao Oscar por Amor Sem Escalas (Up in the Air, 2009), está muito bem como a jovem psicóloga e é um prazer rever a eterna Morticia Adams Angelica Huston, que vive a mãe que sufoca Adam. Bryce Dallas Howard (de Histórias Cruzadas, 2011) e Philip Baker Hall (de Magnólia, 1999) completam.

A verdade é que 50% não se deixa rotular, transitando bem entre o drama e a comédia, como costuma acontecer no mundo real. Com casos recentes de celebridades ganhando a mídia, como Reynaldo Gianecchini e Drica Moraes, que acabam de voltar ao trabalho após uma difícil batalha contra o câncer, o assunto mostra-se totalmente oportuno. E ajuda muito ver uma abordagem verdadeira, pé no chão, que pode servir de exemplo ou estímulo para muita gente.

Anna Kendrick tenta animar seu paciente

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Lincoln é vítima de uma Conspiração Americana

por Marcelo Seabra

Um dos grandes nomes da história norte-americana é o 16º presidente do país, Abraham Lincoln. Talvez por ter sido assassinado durante o mandato, após conseguir mudanças significativas consideradas positivas, ele tenha virado um mito, hoje tido como exemplo de correção e dedicação. Isso faz com que caia frequentemente na mira do cinema, que volta e meia dedica um projeto a ele. Atualmente em produção, há duas opções completamente diferentes com estreias previstas entre 2012 e 2013: Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros, uma ficção louca, e Lincoln, de Steven Spielberg, que tem Daniel Day-Lewis para contar a história dessa famosa figura.

Em 2010, Robert Redford partiu para a direção de seu oitavo longa, dando continuidade a uma elogiada carreira que se iniciou com os quatro Oscars de Gente Como a Gente (Ordinary People, 1980) – Melhor Filme, Diretor, Ator Coadjuvante e Roteiro Adaptado. Lincoln é o ponto de partida para Redford, mas a trama não gira em torno dele: Conspiração Americana (The Conspirator, 2010) aborda os eventos que se seguiram ao assassinato. Em um momento de grande tristeza para parte da população (mais para o norte), era necessário investigar a intrincada ligação entre os conspiradores que levaram o plano adiante. Como diz o cartaz do filme: “Uma bala matou o presidente, mas não um homem”.

Por algum motivo, esse filme demorou dois anos para chegar aos cinemas do Brasil, quando já poderia ter sido lançado para homevideo há muito tempo. E quem se dispuser a conferir não vai se arrepender. O elenco, muito afinado, se não acrescenta muito, não deixa a dever, e os personagens nunca chegam a ser estereótipos. Enquanto James McAvoy (X-Men: Primeira Classe, 2011) tem uma atuação mais discreta, por assim dizer, Robin Wright (de O Homem que Mudou o Jogo, 2011) se destaca exatamente pela discrição. Sua personagem é uma mulher sofrida, que defende a família acima de tudo, e nem por isso é perfeita, ela nunca é uma heroína clássica.

Robin vive Mary Surrat, uma respeitada dona de pensão que se vê envolvida na conspiração que culminou na morte do presidente e na agressão ao Secretário de Estado William H. Seward – e havia ainda um plano para o vice-presidente Andrew Johnson. Os dois foram atacados menos de uma semana após a rendição de Robert E. Lee a Ulysses S. Grant, fato que deu vitória aos ianques e deixou os sulistas com um sentimento de vingança frente à conclusão da Guerra Civil Americana. Foi na pensão de Mary que seu filho John, John Wilkes Booth e vários outros se reuniram para combinarem os ataques. Quando começam as prisões dos suspeitos, ela vai junto e já é tida por todos como culpada, com rumo certo à forca.

Como a lei garante a todos a mesma possibilidade de defesa, um advogado é atribuído ao caso. O jovem capitão do exército e herói de guerra Frederick Aiken (McAvoy) volta à profissão defendendo Mary, mas convicto de sua culpa. Como é de se esperar, o caso toma grandes proporções e Aiken se mostra cada vez menos decidido. Boa parte do filme se passa no tribunal, engrossando esse subgênero com um elenco que conta ainda com Danny Huston, Tom Wilkinson, Colm Meaney, Evan Rachel Wood, Justin Long, Stephen Root e Alexis Bledel, além de um irreconhecível Kevin Kline como o Secretário de Guerra Edwin M. Stanton (ao lado).

A grande questão levantada por Conspiração Americana nem chega a ser especificamente quanto à possibilidade de culpa de Mary. O principal aqui é o respeito às leis e à tão mencionada constituição dos Estados Unidos. Parece que é muito fácil arrumar desculpas para colocar tudo de lado e fazer justiça de forma torpe e malcalculada. Mary e outros sete homens são julgados por militares, e não por seus pares, como ocorreu com suspeitos do 11 de setembro. Quando todos estão contra (incluindo aqui a opinião pública), fica difícil apresentar as evidências e ter uma defesa justa. Uma situação que permanece tão atual quanto era em 1865.

Fotos e documentos da época foram base para a reconstituição

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