por Marcelo Seabra
Os contos dos irmãos Grimm já ganharam diversas versões, inclusive com as “verdadeiras histórias”, quando alguém resolve reinventar uma trama que todo mundo conhece, apresentando tudo de forma original. João e Maria já haviam ganhado a sua “atualização, com eles já adultos caçando bruxas no longa de 2013. Com tantos filmes de terror chamando a atenção do público recentemente, viram uma brecha para voltar com os dois numa história mais sombria. Maria e João – O Conto das Bruxas (Gretel and Hansel, 2020) inverte o protagonismo e não para por aí em sua louvável jornada feminista.
Deixando de ser apenas sobre irmãos que saem pela floresta jogando migalhas de pão para não se perderem e, ao se perderem, encontram uma bruxa, o conto ganha contornos mais realistas num primeiro momento para, a seguir, rumar ao sobrenatural. Nunca um terror de sangue ou vísceras, com poucos sustos, o longa aposta mais na ambientação, na tensão crescente. Nesse ponto, ele se aproxima muito de A Bruxa (The Witch, 2015), chegamos a esperar que Black Phillip apareça.
O roteiro de Rob Hayes dispensa elementos do imaginário popular – num estado de total pobreza, onde os dois arrumariam migalhas para deixar pelo caminho? E toma grandes liberdades, se afastando bastante do que é sabido por todos, o que faz a história soar como nova. Em uma cidade desolada pela Peste, uma mãe sem recursos e à beira da loucura coloca seu casal de filhos para fora. Andando pela floresta, eles encontram uma casa com comida à vontade e uma moradora misteriosa que logo se mostra bondosa e sensata. Mas nesse mato tem coelho.
Os aspectos técnicos de Maria e João são bem interessantes. A reconstituição de época, mesmo que não saibamos exatamente de que período se trata, é coerente, com cenários e figurinos apropriados. A fotografia de Galo Olivares (operador de câmera em Roma, 2018) é o que mais salta aos olhos, explorando de maneira competente tanto o interior da casa quanto os campos externos. Os contrastes de claro e escuro criam frames belíssimos, pontuados por uma trilha incômoda (no bom sentido) de Robin “Rob” Coudert, com sintetizadores aumentando a estranheza de certos momentos.
Tudo isso é costurado pelo filho de Norman Bates: Osgood “Oz” Perkins assina a direção, em sua terceira empreitada na função. Ele deixa o ritmo cair um pouco, tornando o meio do filme um pouco cansativo. Mas logo volta com um final marcante. E ajuda ter, no papel principal, a ótima Sophia Lillis, que, ao contrário da Anya Taylor-Joy de A Bruxa, já é bem conhecida, com os dois It (2017 e 2019) e a série Objetos Cortantes (Sharp Objects) no currículo. Ela contracena contra a veterana Alice Krige (acima), que aqui tem mais destaque que em seus trabalhos usuais.
Perkins ainda não tem a relevância de um Robert Eggers (de A Bruxa e O Farol) ou um Ari Aster (de Hereditário e Midsommar). Mas está no caminho certo, ainda mais por inserir discussões fundamentais em seu filme: o papel e a força da mulher, sororidade, amadurecimento e a questão do pertencimento, do quanto é difícil abrir mão de um lugar que te recebeu bem. Maria e João não inverteu os personagens em seu título apenas para se diferenciar de outras obras: ele de fato conferiu a Maria uma maior importância, e Lillis dá conta do recado. Os Grimms ficariam orgulhosos.