por Marcelo Seabra
Volta e meia, nos deparamos com uma ameaça mais séria de guerra no planeta. Para algumas nações, isso é uma realidade constante, ainda que localmente. Por isso, é importante que o Cinema nos lembre frequentemente dos horrores que já vivemos. Agora, foi a vez do premiado Sam Mendes contar uma história da Primeira Guerra, e o filme acumula mais de 150 indicações a prêmios! 1917 (2019) já chega aos cinemas nacionais comemorando uma arrecadação fantástica pelo mundo.
Com um roteiro aparentemente simples, escrito com sua parceira de Penny Dreadful, Krysty Wilson-Cairns, Mendes tinha uma visão desde o início: o filme seria feito com uma só tomada contínua. O avô do diretor serviu na Guerra como mensageiro e sua função era salvar vidas correndo por terrenos perigosos. Essas histórias deram origem a 1917, longa enxuto em seus 119 minutos que deve seu sucesso também a outro grande nome: Roger Deakins (de Blade Runner 2049, 2017). Foi o lendário diretor de fotografia que ajudou a esconder os cortes e dar a impressão de continuidade.
Não é a primeira vez que somos enganados com esse truque no Cinema. Hitchcock lançou Festim Diabólico (Rope) em 1948 usando uma saída simples: ele fazia seus cortes filmando telas pretas, de onde poderia continuar depois sem ser percebido. Outros usaram recurso parecido, como Birdman (2014), mas Deakins teve outra carta na manga: uma nova tecnologia que permite parar e continuar sem que se perceba a pausa – e nem por isso foi fácil. É importante ressaltar que não se trata apenas de um artifício curioso, um motivo para chamar público. O resultado dá um senso de urgência enorme, passamos pelos apertos vividos pelos personagens junto com eles.
Apesar de um currículo respeitável, os dois protagonistas não são muito conhecidos, tendo feito em sua maioria participações pequenas. Dean-Charles Chapman (acima, à esquerda) era o cantor vizinho do fã de Springsteen em A Música da Minha Vida (Blinded By The Light, 2019), além de ter encarnado o Príncipe Tommen em Game of Thrones. E George McKay (acima, à direita) deve ser reconhecido como o filho mais velho de Capitão Fantástico (Captain Fantastic, 2016), além de Orgulho e Esperança (Pride, 2014). Os dois vivem os cabos que precisam atravessar um campo inimigo para levar uma mensagem a outro pelotão inglês.
Chapman e McKay são expressivos na medida certa, deixando transparecer medo e inexperiência, apesar da postura de durões. Pelo fato de todos os envolvidos serem ingleses (fora os inimigos alemães, claro!), temos participações especiais bem interessantes (alguém falou em O Espião Que Sabia Demais?). O trailer estraga a surpresa de algumas, outras prevalecem. Uma infinidade de figurantes completa o elenco, ajudando a recriar a guerra. Deakins aproveita para realizar tomadas de tirar lágrimas dos olhos. Em meio a mortes e lama, há espaço para poesia, o que potencializa o aperto sentido em certos momentos.
Provável vencedor do Oscar de Melhor Filme, com outras nove indicações, 1917 é de fato uma obra muito bonita e pode trazer o segundo prêmio da Academia a Mendes, Melhor Diretor por Beleza Americana (American Beauty, 1999). O montador, Lee Smith, levou a estatueta do careca por nada menos que Dunkirk (2017), outra obra-prima. A trilha discreta de Thomas Newman (de Estrada Sem Lei, 2019) completa o quadro. Com tantos talentos reunidos, não é de se surpreender o resultado. E nem tanto reconhecimento.
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