Villeneuve nos apresenta a outro Blade Runner

por Marcelo Seabra

É muito corajoso por parte de um diretor aceitar a tarefa árdua de comandar a sequência de um cult movie de 35 anos atrás. Como Denis Villeneuve não é qualquer um, a expectativa por algo de qualidade era grande, e só cresceu a cada novo material divulgado. A feliz conclusão, após uma sessão de Blade Runner 2049 (2017), é que o diretor deu conta do recado com folga. Não é o caso de dizer qual dos dois é melhor e, sim, de apontar as muitas qualidades dessa continuação.

Ridley Scott criou um universo bem particular no primeiro filme, nos idos de 1982. Usando elementos do genial escritor Philip K. Dick, ele deu vida a um agente que caçava replicantes, os avançados robôs que se misturavam entre os humanos. Mas o ano foi de E.T. – O Extraterrestre e o longa de Scott ficou para trás nas bilheterias. Só foi descoberto com o andar das décadas e o advento da fita VHS e, posteriormente, do DVD. Nem ter a presença do astro Harrison Ford, conhecido como Han Solo e Indiana Jones, ajudou de imediato.

O novo filme está indo para o mesmo caminho: toneladas de críticas positivas e pouca arrecadação nos Estados Unidos. O lado bom é que ele está indo na mesma direção também em outros pontos: na qualidade técnica, no suspense e na riqueza de situações e discussões levantadas, como toda boa ficção-científica deve fazer. Ele faz justiça ao original recriando aquele cenário, desenvolvendo-o para o que ele seria trinta anos depois, de 2019 a 2049, e trazendo de volta atores indispensáveis. Que alegria ver Edward James Olmos de novo! Outro retorno que deve ter contribuído muito para essa fidelidade é o do roteirista Hampton Fancher, responsável pela história e pelo roteiro (com Michael Green, de Logan, 2017).

Sem se preocupar em agradar a ninguém, e conseguindo exatamente por isso, o roteiro nos apresenta a K (Ryan Gosling, de La La Land, 2016), um agente da polícia de Los Angeles responsável pela captura de replicantes ilegais fugitivos. Em algum momento, como podemos prever e o trailer entrega, o caminho dele vai se cruzar com o de Rick Deckard (Ford), e a justificativa para tê-lo de volta é bem válida. Há outros personagens interessantes nesse meio,  merecem menção Robin Wright (de Mulher-Maravilha, 2017), Ana de Armas (de Cães de Guerra, 2016), Dave Bautista (o Drax de Guardiões da Galáxia) e Sylvia Hoeks (de O Melhor Lance, 2013), que surpreende pelas habilidades de luta. E há uma participação de Jared Leto (de Esquadrão Suicida, 2016), que parece mal escalado. Nada que atrapalhe, mas um ator mais velho teria funcionado melhor.

Logo no início, vemos um exemplo de preconceito racial de um humano para com um replicante, e percebemos que o filme será rico em questionamentos. O que é ser humano? É a constituição física que manda? Ou o fato de nascer do ventre de uma mãe? Quem cria o replicante tem direito sobre a existência dele? É certo usá-los como escravos e em diversos trabalhos recusados por humanos? Será possível se relacionar romanticamente com um holograma (algo como Ela, 2013)? E, assim como o personagem de Samuel L. Jackson em Django Livre (Django Unchained, 2012), temos a figura do traidor do próprio povo, aquele que ajuda o opressor a subjugar seus pares.

Além das discussões filosóficas, Blade Runner 2049 traz ótimos resultados técnicos. A fotografia, que respeita o filme original, leva o conceito mais longe e nos deixa com uma grande dúvida: como o excepcional Roger Deakins, com surpreendentes 13 indicações ao Oscar, nunca levou a estatueta? Talvez seja agora. Os recursos IMAX, com um desenho de som meticuloso e um 3D que funciona, chegam a incomodar, a tirar o público do conforto da cadeira para participar da ação. Os efeitos em Joi são fantásticos! E a trilha, assinada por Hans Zimmer e Benjamin Wallfisch, que trabalharam juntos em Batman vs Superman (2016), consegue a proeza de remeter ao trabalho icônico de Vangelis sem repeti-lo. Chegamos a esperar o surgimento daquelas notas conhecidas, mas os compositores sabiamente resistem a retomá-las.

A campanha de marketing do filme evitou spoilers a todo custo, recebendo dos produtores restrições sobre o que podia aparecer em peças publicitárias. Dos 163 minutos de duração, apenas os iniciais poderiam ser revelados, o que faz total sentido para qualquer obra. E Villeneuve apresenta uma série de três curtas (facilmente encontrados no YouTube) que narram eventos intermediários entre os dois filmes, o que ajuda na promoção. Os curtas acrescentam para quem assisti-los, mas não fazem falta. Apenas ilustram fatos mencionados, como o grande blackout de 2022. Com A Chegada (Arrival, 2016), o canadense já se garantia como um dos mais instigantes diretores em atividade. A barra de expectativa acaba de subir.

Os atores com Villeneuve e Scott, agora apenas produtor

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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