Bernie traz uma atuação única de Jack Black

por Marcelo Seabra

Bernie

Uma detalhada construção de personagem infelizmente chega direto nas locadoras: Bernie (2011), do diretor Richard Linklater, não ganhou uma oportunidade em cartaz, apesar dos atores famosos. Talvez, eles não sejam célebres o suficiente. O filme é baseado em uma história real e aparentemente não teria material suficiente para um longa-metragem, mas acabou chegando às vias de fato e o resultado ficou curto, com meros 104 minutos, mas o suficiente para ser interessante. E ganhou um subtítulo desnecessário: Quase um Anjo.

O argumento para Bernie foi retirado de um artigo de uma revista mensal do Texas, assinado por Skip Hollandsworth. O jornalista retratou um fato notável em uma pequena comunidade do estado. Os habitantes de Carthage tinham Bernie Tiede em alta consideração, ele era praticamente um popstar na cidade. A amizade dele com uma viúva idosa de humores contrários aos dele deixaram todos perplexos, e os desdobramentos são ainda mais surpreendentes. O papel principal ficou com Jack Black, que havia trabalhado com Linklater em Escola de Rock (School of Rock, 2003), e se mostrou uma escolha formidável. Black não era o sujeito que você pensaria para viver um diretor assistente de funerária extremamente amável, prestativo, simpático e culto, visto por muitos como homossexual, mas, para todos os efeitos, assexuado.

Bernie duo

Para conseguir um fôlego maior com uma história simples, Linklater e seu co-roteirista, Hollandsworth, desenvolvem muito bem não só o personagem-título, mas toda a comunidade. Podemos conhecer Carthage em detalhes e vários cidadãos da cidade que conviveram com o verdadeiro Bernie dão depoimentos, concedendo ao longa um ar ainda maior de veracidade. Bernie tinha muito jeito com as pessoas e estava presente nos momentos mais difíceis, em enterros e missas, e dava mais do que o suporte necessário. No caso de Marjorie Nugent (vivida pela veterana Shirley MacLaine), ele acabou desenvolvendo uma amizade que logo passou a funcionar mais para ela que para ele. A possessiva senhora passa a tratá-lo como uma propriedade e a vida do pobre Bernie vira um inferno.

O trio principal, completo por um inspirado Matthew McConaughey, é o grande chamariz do longa. Black consegue evitar os maneirismos habituais de trabalhos como As Viagens de Gulliver (Gulliver’s Travels, 2011) e passa longe de ser inconveniente ou exagerado, vivendo um sujeito que conseguiria vender um caixão caro para um indigente, mas ficaria com pena e o ajudaria a pagar. MacLaine usa toda sua experiência para criar uma milionária detestável com um traço de carência, já que a cidade não faz muita questão da presença dela, nem mesmo a família a atura. E McConaughey emenda uma sequência de bons trabalhos (como O Poder e a Lei, Killer Joe e Magic Mike) e parece finalmente ter se cansado de comédias românticas bestas que não aproveitam o potencial dele.

Bernie é uma boa diversão e uma ótima oportunidade para ver Jack Black trabalhar bem, o que não é muito comum. Ele deveria fazer um pacto de parceria com Linklater, diretor que parece saber como aproveitá-lo. Como bônus, ainda observamos características de uma pequena cidade texana e os hábitos de seus habitantes, que podem ser tão peculiares quanto o próprio Bernie.

Nada mais americano que Bernie Tiede

Nada mais americano que Bernie Tiede

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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