Por Marcelo Seabra
É engraçado pensar que Dirty Harry viria a se tornar um diretor de mão cheia. Não importa em qual gênero, o ator Clint Eastwood sempre explorou a figura do machão que resolve as coisas no tiro ou no braço, seja ele um pistoleiro, um policial, um militar, um prisioneiro ou até um DJ (caso de Perversa Paixão – Play Misty For Me, 1971). Talvez por repetir maneirismos e viver personagens com características semelhantes, ele não costume ser apontado como um grande intérprete. Até já foi lembrado em premiações, mas nunca ganhou nada muito relevante.
Depois de dar seus primeiros pulos como ator em faroestes, no cinema e na televisão, Mr. Eastwood iria revezar esse papel com a persona do detetive durão e incorruptível que não mede esforços para pegar o bandido. Além de sua série cinematográfica mais famosa, iniciada em Perseguidor Implacável (Dirty Harry, 1971 – imagem acima), ele fez outro punhado de filmes explorando variações desse tipo, como Meu Nome É Coogan (Coogan’s Bluff, 1968) e Um Agente na Corda Bamba (Tightrope, 1984), além de manter seu pé no gênero que o revelou, como fez em A Marca da Forca (Hang’em High, 1968), O Estranho Sem Nome (High Plains Drifter, 1973) e Josey Wales – O Fora da Lei (The Outlaw Josey Wales, 1976).
Mas ele vem desempenhando outro ofício desde 1971, quando assumiu a direção pela primeira vez, com Perversa Paixão. E, neste papel, Clint chama muito mais atenção. Tanto, que já foi agraciado com dois Oscars de Melhor Diretor e dois de Melhor Filme (uma dupla por Os Imperdoáveis (The Unforgiven, 1992) e outra por Menina de Ouro (Million Dollar Baby, 2004). E merecia mais.
Concordo que ele não é dos artistas mais constantes, já que nem sempre mantém o mesmo nível. Mas nunca chega a comprometer, e a variedade de temas que vem abordando em suas obras é no mínimo louvável. Depois de alguns tropeços no fim da década de 80 e início de 90, como a última aventura de Dirty Harry, Na Lista Negra (The Dead Pool, 1988), e Rookie (1990), Clint venceu o declínio voltando para terreno conhecido, o faroeste. Os Imperdoáveis trouxe reconhecimento de crítica e público e até uma indicação ao Oscar de Melhor Ator, além de ter levado os prêmios de Melhor Filme e Diretor. Depois disso, seguiu em alta com o agente do serviço secreto de Na Linha de Fogo (In the Line of Fire, 1993), o belíssimo Um Mundo Perfeito (A Perfect World, 1993) e o drama As Pontes de Madison (The Bridges os Madison County, 1995).
Depois de longas não muito memoráveis, como Poder Absoluto (Absolute Power, 1997), Crime Verdadeiro (True Crime, 1999) e Dívida de Sangue (Blood Work, 2002), além do divertido Cowboys do Espaço (Space Cowboys, 2000), Clint voltou com força total com o drama de sua Menina de Ouro. Elogiado por muitos e apontado como o primo americano de novelas mexicanas por outros, o filme é inegavelmente marcado por belas atuações de seu elenco principal (destaque para os também oscarizados Morgan Freeman e Hilary Swank) e pela obstinação da protagonista, uma garçonete que se esforça e consegue se tornar uma competitiva lutadora de boxe. Há também uma questão polêmica levantada no final do filme, mas não vale a pena citá-la e estragar a surpresa de quem não viu.
Nem sempre em sua melhor forma (caso de A Conquista da Honra, de 2006, A Troca, de 2008, e Invictus, de 2009), Clint nunca decepciona. Faz filmes corretos, que não alçam maior vôo por algum elemento específico (Angelina Jolie, por exemplo, não foi uma boa escolha para A Troca). Paralelamente, temos Gran Torino (2008) e Além da Vida (Hereafter, 2010 – atualmente nos cinemas), filmes acima da média que apresentam personagens interessantes que se desenvolvem bem em suas histórias. Sobre Meninos e Lobos (Mystic River, 2003) deu Oscars a seus dois atores, Sean Penn (principal) e Tim Robbins (coadjuvante), e poderia ter levado outros, não fosse um certo Senhor dos Anéis.
Os próximos projetos encabeçados por Eastwood suscitam sentimentos opostos. Um tem tudo para ser ótimo: a história de J. Edgar Hoover, o eterno e controverso diretor do FBI. Focado na parte que Hoover escondia, que supostamente incluía um namorado e o uso de roupas de mulher, o projeto tem roteiro do vencedor do Oscar Dustin Lance Black (que levou o prêmio por um filme que também retratava um homem público e homossexual, Milk, de 2008) e já tem um elenco encabeçado por Leonardo Di Caprio, Josh Lucas e Judi Dench.
Já o outro projeto é uma nova releitura da história de Nasce uma Estrela, levada às telas em outras três ocasiões (em 1937, 1954 e 1976). Se a intérprete de 54 era a grande Judy Garland e já notamos uma sensível queda para a versão de 76, quando a personagem foi defendida por Barbra Streisand, o que esperar para a próxima tentativa, se o gráfico continuar em queda livre? Sim, ela: Beyoncé Knowles. Ela já gritou nos longas DreamGirls (2006) e Cadillac Records (2008) e disse-se que atuou em outra meia dúzia. E é ela que Clint Eastwood quer à frente de seu elenco, com um provável Will Smith ao lado. Confesso que minha fé em Clint foi abalada por um pouco de receio. Mas vou continuar torcendo para que ele seja iluminado e resolva levar às telas a fantástica minissérie dos quadrinhos O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight Returns, lançada em 1986), vestindo a armadura de um Batman decadente na luta contra um Superman manipulado. Pena que é só uma ideia.
Clint Eastwood é o último diretor deste admirável cinema clássico americano. É um contador de histórias, como o foram John Ford, Billy Wilder, William Wyler. Já tem lugar garantido entre os grandes diretores de todos os tempos.
E vamos continuar acompanhando o cara.
Abraço!