por Marcelo Seabra
Quando conhecemos a versão adulta do protagonista de O Pintassilgo (The Goldfinch, 2019), ele se descreve basicamente como uma embalagem agradável ao público, simpático e bem apresentado. Mas sabemos que falta algo por baixo, apenas a superfície está em paz. Isso é exatamente o retrato do filme: esteticamente impecável, mas com um ritmo absolutamente desigual e com buracos enormes em sua trama. A impressão que fica é que teria funcionado de maneira bem mais eficaz como uma série de televisão, com mais tempo.
Elogiado e premiado pelo drama Brooklyn (2015), John Crowley foi o diretor contratado pela Warner para cuidar da adaptação do livro de Donna Tartt que venceu o Pulitzer de ficção em 2014. O roteiro ficou a cargo de Peter Straughan, indicado ao Oscar por O Espião Que Sabia Demais (Tinker Tailor Soldier Spy, 2011). Com tantos talentos envolvidos, o resultado só poderia ser fantástico. Na teoria, apenas. Na prática, temos uma obra de duas horas e meia de duração que se arrasta pelas primeiras duas horas e resolve tudo na meia hora final, com direito a várias coincidências e conveniências.
Mexendo desnecessariamente na história de Tartt, o roteiro de Straughan vai e volta no tempo, guardando algumas revelações para o final. Quando elas chegam, o público já está enfarado e não se importa mais. Isso, quando não é algo óbvio, que já sabíamos há tempos e ninguém avisou que era segredo. Perto do fim, algumas subtramas são simplesmente abandonadas, muita coisa fica sem explicação e as questões principais se encaixam tão bem que derrubam qualquer acerto anterior do diretor.
O Pintassilgo do título é um famoso quadro do pintor holandês Carel Fabritius, o favorito da mãe de Theo Decker (Oakes Fegley, de Sem Fôlego, 2017). Enquanto estavam apreciando a obra num museu, acontece um atentado a bomba que faz várias vítimas. Aos 13 anos de idade, Theo se vê órfão e aí começa sua saga. O cartaz do filme, com o menino no ar, dá a impressão de se tratar de um dançarino, o que está longe da realidade. O drama logo dá lugar a uma trama policial bagunçada que só não fica pior devido ao elenco competente. Nicole Kidman, Jeffrey Wright e Sarah Paulson são sempre excelentes, até com um roteiro ruim, e ainda temos Luke Wilson, Finn Wolfhard e Ansel Elgort, como o Theo adulto.
A fotografia, a cargo de ninguém menos que Roger Deakins, é o único ponto memorável de O Pintassilgo. Vencedor do Oscar por Blade Runner 2049 (2017), depois de 13 indicações, Deakins torna tudo mais atraente. Tanto ambientes fechados quanto exteriores resultam em tomadas belíssimas e elegantes, como uma figura que se afasta e sugere um anjo. Mas até isso enfraquece o filme, já que a parte ambientada em Las Vegas deveria parecer muito pior, pesada, deixando o personagem deprimido. O que vemos é um garoto serelepe que ocasionalmente tem problemas familiares sérios, mas que parecem corriqueiros.