por Marcelo Seabra
A Netflix segue lançando obras num ritmo maior do que muita gente dá conta de acompanhar. Quando se fala em séries, então, é mais complicado, já que elas exigem mais tempo de dedicação. Talvez por perceber essa dificuldade com relação a tempo, a empresa esteja criando séries mais curtas, com menos episódios. É o caso de três novas atrações, que fogem dos números habituais de episódios: ao invés dos mais de 20 dos canais abertos, ou dos 13 da TV a cabo, elas têm vindo com 10 ou menos. Mesmo assim, é bom saber que não são todas dignas do seu tempo, algumas devem ser abandonadas tão logo se comprove sua chatice.
Para citar de cara a única desse pacote que não merece que seja acompanhada, começamos com Friends From College. Com todos os rápidos 10 episódios dirigidos e três escritos por Nicholas Stoller (que estreou no Cinema com Ressaca de Amor, 2008), a série foi criada por ele e Francesca Delbanco (atriz em Ressaca). E o grande chamariz, usado nas peças publicitárias, é a presença de Cobie Smulders, uma das protagonistas do sucesso How I Met Your Mother. E bem poderia ser Fred Savage, o sumido ator mais conhecido como o Kevin Arnold de Anos Incríveis (ou Wonder Years). Ou mesmo Keegan-Michael Key (de Tinha Que Ser Ele, 2016), que inventou de ser cômico e tenta nos convencer disso.
Como o nome já diz, somos apresentados a ex-colegas de faculdade que costumavam ser muito próximos e a vida tratou de afastá-los. Com a volta do casal principal para a cidade onde os outros moram, os reencontros e festinhas se tornam mais frequentes, o que traz de volta os ranços e ressentimentos de antigamente. Não chega a ser dramática, tampouco é engraçada. Reuniram um bando de personagens enfadonhos, nenhum com carisma suficiente para carregar a atração, e eles não avançam em direção alguma. A vida é curta para seguir algo como Friends From College.
Uma série mais bem sucedida é Ozark, também estrelada por um nome ligado à comédia. Jason Bateman, de Arrested Development e filmes como A Última Ressaca do Ano (2016), parte para algo bem mais sombrio do que costuma fazer. E ajuda muito ter alguém do porte da ótima Laura Linney (de Animais Noturnos, 2016) ao lado, além de um coadjuvante de luxo como Peter Mullan (de Cavalo de Guerra, 2011). O próprio Bateman dirige quatro dos 10 episódios e os criadores são Mark Williams e Bill Dubuque, roteiristas de O Contador (2016).
Nos primeiros minutos de Ozark, descobrimos que o casamento dos Byrde está em frangalhos e Marty ainda tem problemas no trabalho, que é nada menos que lavar dinheiro para um cartel de drogas mexicano. Para evitar um problema maior, como perder a vida, Marty pega os filhos e a esposa e vai para a região do lago de Ozark, onde terá que conseguir negócios de fachada para lavar milhões em tempo recorde. E ele logo descobre os podres que toda cidadezinha parece esconder.
As peças em Ozark são bem encaixadas. Não é nada tão chocante quanto Breaking Bad, ou espetacular quanto Game of Thrones. É uma trama pé no chão, ancorada por um elenco muito equilibrado, que mantém o suspense de tal forma que fica difícil ver um episódio por vez. Apesar de cada um durar quase uma hora, eles passam rápido, e as situações parecem cada vez mais complicadas.
Uma série que consegue ser engraçada sem fazer esforço é a novidade mais recente do serviço de streaming: Atypical. Depois de trazer os holofotes para uma colegial suicida e para uma anoréxica, o próximo tabu que a Netflix enfrenta é o autismo. Mais uma vez aparentemente voltada para o público adolescente, a obra traz uma visão leve sobre a vida de um rapaz diagnosticado dentro do espectro do autismo. Ele tem crises esporádicas, uma mãe dedicada no limite da obsessão e tudo que quer é uma vida normal. Mas o que é ser normal? Esta é uma grande questão a ser trabalhada aqui.
No papel principal, Keir Gilchrist (de Corrente de Mal, 2014) demonstra ter feito seu dever de casa. Ele parece entender bem do assunto, com reações muito naturais e condizentes com a situação. Seus pais são vividos por ninguém menos que a excepcional Jennifer Jason Leigh (de Os Oito Odiados, 2015) e Michael Rapaport (de Sully, 2016), além de um elenco de apoio muito competente. O grande trunfo de Atypical é tratar do assunto de frente, expondo as hipocrisias, as dificuldades e os momentos mais sensíveis. Sam, o tal rapaz autista, só quer ser aceito e passa pelas mesmas situações que qualquer um aos 18 anos, talvez com alguns agravantes. E a série sempre o respeita, e trata com igual consideração os dramas dos outros personagens.