por Rodrigo “Piolho” Monteiro
Criada por Charlie Brooker, Black Mirror tinha o propósito de ser uma série tipicamente britânica. Diferentemente de séries de TV convencionais, seus episódios não se relacionam entre si, ainda que o tema que permeie a todos eles – ficção especulativa carregada do humor ácido/negro caracteristicamente britânico em histórias que examinam a influência da tecnologia e consequências não-previstas de seu progresso sobre a sociedade – sim. Assim como demais séries britânicas, como Sherlock e Wallander, cada temporada de Black Mirror era bem curta, tendo a primeira e segunda temporadas apenas três episódios cada. Apesar disso, a série, inicialmente produzida pelo Channel 4 em 2011, logo adquiriu o status de cult e, mesmo sendo totalmente direcionada para o público britânico, conseguiu uma certa repercussão fora do Reino Unido graças à internet e seus programas de compartilhamento de arquivos.
Mesmo com esse burburinho fora da Inglaterra, o futuro de Black Mirror após a segunda temporada era, no mínimo, incerto. A série sofria hiatos de produção tão grandes e irritantes quanto Sherlock. Tanto que sua primeira temporada foi ao ar em 2011, a segunda em 2013, com um episódio especial em dezembro de 2014 e depois disso houve um grande silêncio a respeito de sua manutenção na TV. Até que, graças à dita repercussão internacional, a Netflix decidiu adicionar a série às suas produções originais – um termo equivocado nesse caso, pois a série migrou de outro canal, mas esse é um detalhe mínimo – e anunciou uma terceira temporada com nada menos do que 12 episódios. Pouco tempo depois, no entanto, esse número foi dividido pela metade e foram esses 6 episódios que estrearam com grande alarde no site no último dia 21 de outubro. E a pergunta que fica, após assistirmos a toda a temporada é: a série vale todo esse barulho? Sim e não.
Migrar para o Netflix teve aspectos positivos e negativos para Black Mirror. Ao mesmo tempo em que o envolvimento do Netflix significa mais orçamento e a possibilidade de contar com atores mais famosos – o primeiro episódio dessa temporada foi protagonizado por Bryce Dallas Howard (de Jurassic World: o Mundo dos Dinossauros – acima) – o fato de ter que falar a uma audiência maior e ter que escrever o dobro de episódios ao qual está acostumado fez com que Charlie Brooker e sua equipe de roteiristas perdesse um pouco daquilo que fazia a série tão genial. Não me entendam mal, a terceira temporada de Black Mirror é muito boa e faz jus à série. Mas um pouco de sua essência tipicamente britânica foi perdida, ainda que o humor negro, a relevância e os finais depressivos estejam na grande maioria dos episódios.
Devido a ser uma série com episódios independentes entre si, podemos tranquilamente analisar rapidamente um por um, como se fossem uma série de curtas:
O Perdedor: o primeiro episódio da série mostra uma realidade onde o status social das pessoas é, basicamente, um reflexo do que hoje temos nas redes sociais. Cada interação é “curtida” instantaneamente e isso faz com que as pessoas tenham maior ou menor aceitação na sociedade, mas levada ao extremo. No episódio, vemos a protagonista Lacie (Bryce) tentando o possível e o impossível para aumentar sua média de curtidas para que possa se sentir mais à vontade no casamento de sua amiga de infância Naomie (Alice Eve, de Além da Escuridão: Star Trek). Obviamente, sendo o universo de Black Mirror, as coisas não dão exatamente certo para Lacie.
Versão de Testes: talvez o episódio mais fraco de toda a série, incluindo as temporadas anteriores, Versão de Testes mostra um mochileiro (Wyatt Russell, de Anjos da Lei 2) que acaba ficando sem dinheiro no meio de suas viagens pelo mundo e aceita ser cobaia de testes em um novo e revolucionário jogo de terror onde os limites da realidade virtual e a psique humana são testados sob esse ambiente de estresse. O fato de ter uma atmosfera mais fantasiosa e quase genérica tira toda a força desse episódio.
Cala Boca e Dança: o melhor episódio da temporada, talvez justamente por ser o mais britânico de toda a série, ainda que seu tema seja universal. Um adolescente (Alex Lawther, de O Jogo da Imitação – acima) tem sua webcam hackeada e é filmado fazendo algo que poucos teriam orgulho (sim, é exatamente isso que você está pensando). A partir daí, ele recebe mensagens que lhe dão duas escolhas: ou obedece cegamente os comandos dos hackers, ou terá o vídeo de suas peripécias divulgado para todos os seus contatos de e-mail, redes sociais e afins. Ao longo de suas tarefas, ele se envolve com outras vítimas dos hackers, com destaque para o executivo Hector, vivido por Jerome Flynn (o Bronn de Game of Thrones).
San Junipero: San Junipero é o episódio com o final mais feliz de toda a antologia até o momento. Basicamente, o episódio gira em torno do que as personagens Kelly (Gugu Mbatha-Raw, de Um Homem Entre Gigantes) e Yorkie (Mackenzie Davis, de Perdido em Marte) podem esperar do futuro. Algumas perguntas importantes são feitas durante o episódio, mas contar mais do que isso poderia estragar as surpresas.
Engenharia Reversa: estrelado por Malachi Kirby, esse talvez seja o episódio mais genérico da série, ainda que seu tema seja relevante. O que temos é um cenário de guerra e a pergunta a ser respondida é: o que é necessário para que um soldado cumpra seu dever de matar o inimigo sem que sinta o já conhecido estresse pós-traumático? Até onde se pode ir para que o inimigo seja desumanizado de forma que os soldados se tornem mais eficientes? As soluções encontradas são boas, ainda que muitas sejam relativamente previsíveis.
Odiados pela Nação: o episódio mais longo da série até o momento, com quase 90 minutos, Odiados pela Nação explora um cenário futurista onde robôs criados para trazer equilíbrio ao meio-ambiente nas ilhas britânicas são utilizados em uma série de assassinatos relacionados à mídia social. Assim como Versão de Testes, esse é o episódio que tem menos conexão com a realidade – ou uma possível realidade futura – ainda que analise a questão do ódio virtual, algo bem contemporâneo.
Fazendo um balanço final, podemos dizer que Black Mirror continua relevante e vale a pena ser assistida. Essa primeira temporada do Netflix tem seus altos e baixos, mas nada que comprometa a qualidade geral da série. Esperamos que Charlie Brooker & cia tenham aprendido com os erros e acertos e se reajustem para que os textos direcionados para um público mais amplo tenham a mesma qualidade daqueles escritos apenas para uma audiência britânica. Isso poderá ser visto quando a já confirmada quarta temporada for disponibilizada no Netflix em algum momento de 2017.
Olá. A motivação da Lacie na descrição do episódio está errada. Ela desejar ir ao casamento para aumentar sua pontuação e assim poder ganhar um belo desconto na compra de uma casa nova. Quanto à série em geral, concordo que a terceira temporada deu uma enfraquecida e o burburinho gerado vai trazer um público desagradável que o Netflix tem, o que só quer consumir e consumir uma série atrás da outra. Acho que uma hora os temas relevantes acabam também e fica difícil trazer o grande mérito da série aos episódios, realmente ser um “Black Mirror” da nossa sociedade atual.
Bacana, Fernando! Obrigado pela visita!
Que artigo mais ridículo. Já não gostei do título, mas vim ler esperando uma crítica bem feita e é só um resumo dos episódios.
E o seu contraponto é bem-vindo, Ana. Afinal, foram quatro parágrafos bem fundamentados sobre o geral, além de cada parágrafo sobre cada episódio, todos justificando o porquê de serem ou não interessantes. Isso, contra uma linha e meia suas.
AhazoAhazo na resposta
Bacana a análise…
Achei sua análise bem fraca e superficial.
O primeiro episódio não está resumido adequadamente (sugiro que edite-o e explique corretamente a motivação da Lacie).
O segundo episódio apresenta certo aprofundamento psicológico do personagem principal (algo incomum na série), o que faz a morte do protagonista -perdão pelo spoiler- ter grande impacto. É um episódio chocante por sua produção digna de muitos elogios, embora não seja muito surpreendente. Todavia, o episódio The Waldo Moment, da segunda temporada, é bem mais fraco que esse. Acho que essa sua síndrome de underground está afetando seu juízo de valor.
Na verdade, a série não perdeu tanto assim seu valor. Claro que trouxe algumas alterações e corre o risco de perder sua qualidade na próxima temporada, mas a terceira temporada foi excelente. Evite o pedantismo e lide que nem tudo aquilo que é popular é, necessariamente, ruim.
Prezado Marcelo, a motivação mencionada é, ao meu ver, a principal. As demais diferenças apontadas são questão de opinião, que, quando bem fundamentadas, agregam à discussão. E, como podemos concluir pelo seu texto, você concorda que houve perda de qualidade, mesmo que pequena. Obrigado pela visita!
Analisando bem o episódio, nota-se que a Lacie precisava das curtidas para comprar a tão cobiçada casa, O Pipoqueiro. O casamento foi uma oportunidade para obter uma média mínima de estrelas (só haveria pessoas com muitas estrelas, então ela com certeza receberia diversas “curtidas” que valiam mais do que as de pessoas não-famosas), de modo que ela conseguisse, finalmente, comprar o que tanto queria. Assim, vemos no episódio uma crítica, também, ao consumismo e ao fetichismo da mercadoria, além da superficialidade/preocupação excessiva com as aparências. Esse é um ponto chave do episódio! O primeiro ep dessa série tem uma trama bacana e bem bolada, por isso achei injusto você simplificá-lo tanto assim.
Gostei mto das suas observações, não assisti a série ainda por medo de ser ruim, devido ao seu post fiquei interessada em acompanhar a série.