por Marcelo Seabra
Tido como um herói por grande parte dos norte-americanos, Chris Kyle tem levado um público enorme aos cinemas, chegando à ótima renda de 300 milhões de dólares em casa apenas, sem contar os demais mercados. Sniper Americano (American Sniper, 2014) conta a história do atirador de elite que teve 160 mortes confirmadas entre suas quatro passagens pela guerra no Iraque e que recebeu diversas medalhas e honrarias por atos de bravura. O longa tem causado polêmica por mostrar o biografado como um ser humano perfeito, que não errava tanto na pontaria quanto em suas opiniões e ações na vida pessoal.
Escrito por Jason Hall (de Conexão Perigosa, 2013), o roteiro é baseado no livro homônimo de Kyle, que contou com a colaboração de Scott McEwen e Jim DeFelice. No livro, é fácil achar passagens em que ele se gaba de seus feitos sem demonstrar dúvida ou remorso, e ele chega ao absurdo de afirmar que, ao voltar da guerra, matou pessoas em Nova Orleans e no Texas como uma espécie de justiceiro urbano. O ex-lutador e ex-governador Jesse Ventura ganhou uma ação de difamação, já que é citado no livro e foi atacado em várias entrevistas com histórias que nunca se confirmaram.
Os realizadores justificam a existência do filme dizendo querer chamar a atenção para o fato de que ex-combatentes devem ser bem acolhidos em seu retorno e receber apoio para tratar dos traumas que ficam, o que de fato acontece com muitos deles. Não faltam filmes sobre o Vietnã mostrando isso. Não é o caso de Kyle, que ganhou milhões entre prêmios e vendas da autobiografia e doou apenas uma parte ínfima a associações de veteranos, ao contrário do que afirmou que faria. Ele deu entrevista a vários programas de televisão e até participou de um reality show em que fez dupla com o ex-Superman Dean Cain, e nunca mostrou qualquer problema psicológico.
Muito se explica ao se atentar para o diretor do filme. Clint Eastwood vem recebendo merecidos elogios a cada nova produção, como o excelente Gran Torino (2008) e o correto Jersey Boys (2014). Mas suas posições políticas são o que há de mais conservador e moralista, como no caso da “conversa com a cadeira”, em que ele usa diversas asneiras para insultar Barack Obama e acaba atacando seus próprios partidários republicanos. Ou ainda nas ameaças a Michael Moore, quando ambos recebiam um prêmio da National Board of Review e Eastwood disse que receberia o documentarista a balas se ele aparecesse em sua casa com uma câmera. Moore, claro, não é flor que se cheire, com suas técnicas duvidosas de filmar suas verdades, mas Eastwood conseguiu se juntar a diversos malucos que ameaçaram Moore, o que é um papelão.
Por causa de toda essa questão política, é impossível não misturar os dois lados da câmera ao se analisar o filme. Mas mesmo para quem afirma não haver nenhuma questão política, há ainda os problemas na história contada. Mesmo desconsiderando a figura real, temos que aguentar o pai ficcional do protagonista dando algumas lições nos filhos, o que o roteiro parece indicar como culpado pelas atitudes de Chris. Bradley Cooper, indicado ao Oscar por O Lado Bom da Vida (2012) e Trapaça (2013), conseguiu sua terceira indicação seguida. O ator cresceu bastante fisicamente e faz um ótimo trabalho, trazendo uma profundidade ao personagem que ele talvez não tivesse na vida real. Cooper transmite muito bem a crença de Kyle de que estava fazendo o certo e mostra que domina bem suas expressões, usando a certa quando necessário e se poupando no resto do tempo.
Tudo o que podia contar contra Kyle foi retirado do filme. O fato de ele ter desistido da carreira de peão de rodeio por causa de uma lesão, por exemplo, não aparece, dando a entender que ele largou tudo por puro patriotismo. Eastwood perde a chance de retratar uma pessoa real, ficando apenas no mito e ajudando a perpetuar mentiras. E a guerra no Iraque começou como resposta ao ataque de 11 de setembro, sabia? É isso que concluímos pelo filme. A parte técnica de Sniper Americano (por que não Atirador Americano?) é impecável, com uma ótima reconstituição de época, trilha sonora, edição, atuações. Eastwood reafirma o quão bom diretor ele é, mas servindo a que propósito? Os problemas ideológicos começam a incomodar logo de cara e perduram por toda a exibição, tornando impossível apreciar a experiência como “apenas entretenimento”.
Marcelo, muito bons seus comentários sobre este filme e sobre o verdadeiro Chris Kyle, um covarde e frio serial killer a serviço do governo americano para o que der e vier, em qualquer parte do mundo e com qualquer objetivo. Muito bons também suas informações sobre o verdadeiro caráter político de Clint Eastwood e de Michael Moore.
Assim como sobre a boa atuação de Bradley Cooper e sua indicação ao Oscar.
Um abraço, Kleber Neves da Rocha.