por Marcelo Seabra
Se um título impactante é importante, nada melhor que Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros (Abraham Lincoln: Vampire Hunter, 2012). Misturar o 16º presidente norte-americano e vampiros é uma premissa divertida. O resultado é o que se pode chamar de guilty pleasure: um prazer que te faz sentir culpa. Trata-se de um longa claramente furado e longe do que poderia ter sido, mas que ainda assim consegue ser divertido.
Situar um personagem histórico no meio de uma trama fantasiosa não é novidade. Este ano mesmo, tivemos O Corvo (The Raven), que colocou o escritor Edgar Allan Poe no meio de uma investigação policial intrincada – e fraca. O livro de Seth Grahame-Smith (de Orgulho e Preconceito e Zumbis), no entanto, aproveitou bem os eventos conhecidos da vida do icônico ex-presidente e, usando uma boa dose de humor, contou uma história interessante. Muitos momentos, para quem tem uma noção dos fatos da época, são facilmente previsíveis, como o envolvimento das criaturas na Guerra da Secessão. É o carisma do personagem bem construído que ajuda a segurar as pontas.
No filme, somos apresentados a Lincoln quando ele ainda é jovem e descobre a existência de vampiros da pior forma: perdendo a mãe para um deles. Um juramento de vingança acontece e logo o rapaz se vê sendo treinado por um caçador de vampiros experiente. Ele deixa o acerto de contas temporariamente de lado e passa a dedicar suas horas vagas à limpeza do país, eliminando os nomes indicados por seu mentor. Logo, ele conhece sua futura esposa e ruma à política, passando a combater em uma nova frente, usando como arma discurso e ideias. Claro que há um vampirão por trás de todos os outros, comandando a festa.
Para a transposição para o cinema, o próprio Grahame-Smith adaptou o livro. A direção e produção ficaram a cargo do russo-cazaque Timur Bekmambetov, mais conhecido por O Procurado (Wanted, 2008) – Tim Burton divide a produção. O roteiro, com várias passagens do livro modificadas e simplificadas, acabou cheio de buracos. A lógica, quando é conveniente, dá adeus e o protagonista passa a resistir bravamente à dor e até luta contra as leis da física, o que já tirou um bocado da graça de Procurado. Estilo sobra e há cenas tecnicamente impecáveis, mas há outras totalmente dispensáveis. O mesmo pode-se dizer de certos personagens, que foram esvaziados até perderem o sentido.
O grande problema deste Caçador de Vampiros é exatamente essas falhas, que chegam a ser grotescas. Para começo de conversa, os personagens vêm e vão entre Indiana e Springfield (em estados diferentes) em tempo recorde, e não é difícil chegar a Nova Orleans. Quando Lincoln conhece Mary, ela está acompanhada pelo noivo, Stephen Douglas, político importante da época e oponente de Lincoln. O sujeito simplesmente deixa de existir, Mary se vê livre e os famosos debates Lincoln-Douglas nem são mencionados. O que prova que os vilões não servem para nada: nem os vampiros Adam e Vadoma, nem o político Douglas. Estes são apenas alguns exemplos, para não entregar demais.
Os atores ajudam a proporcionar os poucos bons momentos da produção. Benjamin Walker (ao lado), o intérprete de Lincoln, começou sua carreira no cinema vivendo a versão mais jovem de Liam Neeson em Kinsey (2004), e a semelhança com o veterano é grande. Ele consegue imprimir no personagem as características necessárias, aquele tom professoral e respeitoso ao falar, além da agilidade para manejar o machado matador. Dominic Cooper (de Dublê do Diabo, 2011) mais uma vez se mostra competente como o mentor Sturges (apesar do personagem fraco e óbvio), assim como Jimmi Simpson (o dono da farmácia, de Zodíaco, 2007), Anthony Mackie (o amigo de infância, de Os Agentes do Destino, 2011) e Mary Elizabeth Winstead (a esposa, de Scott Pilgrim, 2010). No time do mal, estão Marton Csokas (de A Casa dos Sonhos, 2011), a modelo Erin Wasson e o inexpressivo Rufus Sewell (de O Ilusionista, 2006).
Bekmambetov parece se levar a sério demais e o humor do livro de Grahame-Smith se perde. Em um filme que coloca Abraham Lincoln correndo atrás de vampiros com um machado empunhado, humor era essencial. A violência rapidamente se torna repetitiva e os efeitos à Matrix não acrescentam. Talvez, a grande curiosidade seja mesmo conferir como o escritor e roteirista fantasiou a vida desta figura tão importante no imaginário norte-americano, contando esse lado que ninguém conheceu – obviamente, porque ele mesmo inventou tudo. Mas quanto mais se pensa no filme, pior ele fica.