por Marcelo Seabra
Se a ex-primeira ministra britânica Margaret Thatcher já tivesse morrido, poderiam dizer que a atuação de Meryl Streep é mediúnica. Como não é o caso, digamos apenas que Meryl alcançou a perfeição mais uma vez e, como consequência, vem abocanhando novos prêmios por A Dama de Ferro (The Iron Lady, 2011). Ela já levou o BAFTA e o Globo de Ouro e emplacou sua 17ª indicação ao Oscar, e tem sérias possibilidades de levar a estatueta pela terceira vez.
Por tratar-se de uma figura icônica e polêmica, muita discussão se seguiria ao lançamento. Na verdade, as acusações e críticas surgiram bem antes da primeira exibição do longa, com britânicos dizendo barbaridades apenas por se tratar da amada e odiada Lady Thatcher (ao lado), a primeira mulher a ter tanto poder na Europa. Uma vez apontada a principal qualidade do filme, Meryl, é preciso ressaltar que o trabalho da diretora Phyllida Lloyd não tem tal brilhantismo em todos os aspectos.
Em seu segundo longa para o cinema (depois de Mamma Mia!, de 2008, também com Meryl), Phyllida preferiu não tomar partido e tenta se restringir a mostrar os atos e decisões de Thatcher, cobrindo alguns episódios de sua trajetória à frente da grande nação inglesa. É muita história para pouco tempo de projeção, além de o roteiro de Abi Morgan (do elogiado Shame, de 2011) cair na tentação de transformar seu personagem em herói. O fato de terem feito o filme com ela ainda viva demonstraria coragem se ele se posicionasse, apontando defeitos e qualidades. A jovem Maggie é a maior defensora de seu povo, uma figura quase ficcional de tão idealista e engajada. Mais ou menos o que ocorreu com Lula, o Filho do Brasil (de 2009).
A maior parte do filme acaba sendo protagonizada por uma idosa aposentada, vítima de um tipo de demência que já não a permite notar que seu querido marido morreu há anos. Talvez aí esteja o grande mérito da americana Meryl: além de repetir os gestos e maneirismos (e sotaque) conhecidos por todos, ela ainda imagina como estaria a baronesa hoje, bem debilitada pela doença e pela idade. O trabalho de Meryl acaba ofuscando qualquer defeito do roteiro e torna o longa indispensável.
Além da ultra citada atriz principal, o elenco ainda conta com o grande Jim Broadbent (o Professor Horace Slughorn de Harry Potter – ao lado) vivendo o sr. Thatcher, o brincalhão, cúmplice e falecido marido Denis. Volta e meia, ele volta para dar uma opinião ou apenas para fazer companhia para a solitária e esclerosada Margaret. Sua filha também tenta preencher esse vazio, e o trabalho da atriz Olivia Colman (de Chumbo Grosso, de 2007) é bem sensível, ajudando a reforçar a dedicação da mãe ao trabalho público, o que acabava deixando a família de lado. Mesmo assim, ao contrário do irmão, ela sempre se mostra presente.
Se, hoje, resolvessem fazer um filme sobre a presidência de Fernando Henrique Cardoso, poderia dar em algo parecido. Seria contratado um ótimo elenco e a produção seria impecável, mas o roteiro teria que optar por ser ou não partidário. De uma forma ou de outra, ele acabaria transformando seu biografado em mártir em vida de seu país. Como se tivesse se sacrificado muito pelo cargo e atingido grandes vitórias. Já em seu ocaso, ele se sentiria impotente vendo a esquerda no poder e percebendo que o mundo continua, a vida segue, e ele já não tem o direito de dar palpite.
Deve ser de fato muito difícil para uma pessoa tão acostumada ao poder aceitar a posição sem relevância em que a vida acaba colocando-a. A preocupação principal de A Dama de Ferro não é apresentar tudo que há para se saber sobre Margaret Thatcher, mas tentar dissecar aquela figura intrigante. Em entrevista à revista Empire, Phyllida brinca que alguns amigos disseram que a excluiriam das listas de envios de cartões de Natal se ela os fizesse sentir simpatia por aquela que era vista como um demônio. Boa sorte no Natal, Phyllida.