Sean Penn é um ex-astro de rock sem lugar

por Marcelo Seabra

Um filme que coloca um cantor de rock aposentado na busca por um criminoso de guerra só poderia ser no mínimo estranho. Com o italiano Paolo Sorrentino (de Il Divo, vencedor do prêmio do júri em Cannes em 2008) na direção e roteiro, Aqui É o Meu Lugar (This Must Be the Place, 2011) traz Sean Penn com cara de Robert Smith (da banda The Cure), voz do escritor Truman Capote e trejeitos de Ozzy Osbourne. Ou seja: a caracterização do personagem é tão irregular e caricata quanto a obra como um todo.

Um dos melhores atores em atividade, vencedor de dois Oscars (Sobre Meninos e Lobos e Milk), além de outras cinco indicações, Sean Penn é indiscutivelmente uma grande presença em cena. Aqui, ele se torna propositalmente mais contido, reforçando o fato de que o cantor Cheyenne não passa de um adolescente mal resolvido no corpo de um homem triste de 50 anos. Ainda usando roupas e maquiagens com inspiração gótica, ele se retirou da vida pública há 20 anos, após dois fãs terem cometido suicídio supostamente influenciados pelas músicas depressivas que sua banda tocava. Por isso, ele deixou os Estados Unidos e foi viver uma vidinha tranquila na Irlanda ao lado da esposa (Frances McDormand, de Queime Depois de Ler, 2008), uma bombeira largadona que aceita as estranhezas do marido.

Ao saber que o pai, com quem não tem contato há anos, está à beira da morte, Cheyenne vai a Nova York. Lá, ele toma conhecimento da obsessão que ocupou seu pai por muito tempo: a busca pelo nazista que o havia humilhado em um campo de concentração durante a Segunda Guerra. Talvez para provar para si próprio ser capaz de uma ação dessa grandeza, Cheyenne sai pelas estradas seguindo as pistas levantadas pelo pai atrás do tal criminoso de guerra. Por que ele faria isso por um pai que ele mal conhecia permanece um mistério, digamos que seja uma espécie de acerto de contas.

É nesse ponto que Aqui É o Meu Lugar vira um road movie dos mais improváveis. A esta altura, a interpretação de Penn já chega a irritar, e fica difícil imaginar como alguém conseguiria viver perto daquele sujeito. O caminho rumo ao amadurecimento seria tortuoso, mas o filme facilita bem e parece apenas buscar um resultado que estava estabelecido desde o início do projeto. Até a participação do músico David Byrne (ex-Talking Heads – ao lado) soa artificial, forçada. Ele aproveita para tocar This Must Be the Place, clássico oitentista que dá nome ao longa.

Sorrentino bolou a história, que ele e o colega Umberto Contarello formataram, e esqueceu de dar três dimensões a seu protagonista. Penn faz o que pode, imaginando o passado do ex-astro do rock e compondo-o como um sobrevivente de uma época de sexo e drogas, até a tragédia que o traumatizou. Mas Cheyenne fica parecendo um boneco de cera e dificilmente acreditamos que haverá um amadurecimento a jato para darmos por encerrada a trajetória daquele personagem chato cercado por figuras igualmente sem propósito.

Cheyenne, em um momento depressivo, e a esposa

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Caminhoneiro João Miguel está À Beira do Caminho

por Marcelo Seabra

Em 1998, milhares pelo mundo se emocionaram com a viagem de Dora (Fernanda Montenegro) e Josué (Vinícius de Oliveira) por um país sofrido como seus personagens em Central do Brasil. Agora, é a vez de Breno Silveira, diretor do popular Dois Filhos de Francisco (2005), fazer o seu road movie sobre a relação de um adulto e uma criança, ambos em busca de algo que complete suas vidas. À Beira do Caminho (2012) não é exatamente inovador, mas parece feito com um carinho genuíno que acaba atingindo o espectador.

João Miguel, ator experiente que chamou bastante atenção no ótimo Estômago (2007) e foi visto recentemente em Xingu (2012), é a alma do filme. E, talvez, o coração seja o garoto Vinícius Nascimento. É a química entre os dois que faz as coisas acontecerem. Apesar de alguns clichês quanto às mudanças de humor e ponto de vista dos personagens, os dois encarnam bem os seus papéis e passamos a acreditar naquela relação, por mais formulaica que ela seja. Vinícius, escolhido em teste entre 800 meninos e já com alguma experiência (como em Ó Paí, Ó, de 2007), chega a roubar a cena quando João Miguel permite, e o elenco principal é completado por Dira Paes e Ângelo Antônio, de Dois Filhos…, além de Ludmila Rosa (de Seja o que Deus Quiser, 2002).

Quando a história começa, conhecemos o caminhoneiro João, um sujeito amargurado que tem as músicas de Roberto Carlos como trilha sonora de sua vida – canções que invocam dor e tristeza. Muito a contragosto, ele aceita dar carona ao jovem Duda, órfão de mãe que espera encontrar o pai que nunca conheceu. À medida que a relação entre eles se desenvolve, conhecemos melhor João e as tragédias de sua vida, quase sempre com o Rei (ou versões de outros artistas) tocando. É fato que Roberto Carlos não costuma facilitar a utilização de suas músicas no cinema, mas ele permitiu, de uma lista de 12 opções, que Silveira usasse quatro, e por uma quantia módica. Engraçado que Sentado à Beira do Caminho não é uma delas.

Através de flashbacks, descobrimos o que houve com João e com as moças vividas por Dira e Ludmila. É estranho ouvir a primeira manifestar seu desejo de sair da pequena cidade onde eles moravam, no interior de São Paulo, por ter grandes planos, e reencontrá-la no interior de Pernambuco. Será que houve tanta diferença assim entre as duas cidades? Talvez ela, como os demais, não conseguiu chegar exatamente aonde planejava. E a cada virada de rumo da história, temos uma mensagem de caminhão para nos resumir o que está acontecendo, uma forma bem bolada, porém desnecessária, de dar recados ao público, que parece precisar que lhe digam o que pensar. Sorte que a câmera logo volta à dupla de protagonistas e nos vemos mais uma vez ligados àquelas figuras carismáticas.

Exibido na abertura do Cine PE – Festival do Audiovisual, em Olinda, À Beira do Caminho foi prejudicado por falhas no sistema de som. Problemas superados e desculpas divulgadas pela organização do evento, nada menos que cinco prêmios foram conquistados: melhor filme, ator (João Miguel), roteiro (Patrícia Andrade), o prêmio do júri popular e o Gilberto Freyre, “uma honraria especial destinada à produção de longa-metragem que melhor expresse a valorização da identidade nacional”, segundo o site do Cine PE. Ao agradecer, Breno Silveira afirmou que seus filmes sempre serão sobre a cultura brasileira, buscando atingir o máximo de público possível. Ele subiu ao palco acompanhado pelas filhas, que homenageou com os prêmios. A esposa, Renata, faleceu há pouco, e o longa é dedicado a ela.

O diretor, a roteirista e o elenco principal

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Pode-se esperar clichês de O que Esperar

por Marcelo Seabra

Depois do dia dos namorados em 2010 (Idas e Vindas do Amor) e do dia de ano novo em 2011 (ou melhor, Noite de Ano Novo), parece que faltou dia comemorativo para servir de desculpa para juntar um bando de gente inocente, que acredita em certos projetos pavorosos. Por isso, mesmo sem a presença de Garry Marshall, a ideia aqui é a mesma: O que Esperar Quando Se Está Esperando (What to Expect When You’re Expecting, 2012) usa mulheres grávidas como desculpa para ter cinco fiapos narrativos, não desenvolver bem nenhum personagem e não ter graça ou drama algum. Tudo “culpa” de Simplesmente Amor (Love Actually, 2003), e é pena que nenhum dos citados chegue aos pés dele.

O longa tenta alternar momentos dramáticos e engraçados, mas não sai do enfadonho. As cinco mulheres que vão ser mães (planejando ou não) podem se encontrar em algum momento (o mesmo vale para os maridos bananas), e cada uma exemplifica uma situação diferente. Se, em Solteiros com Filhos (Friends with Kids, 2011), tínhamos um casal “grávido” em uma situação fora do comum, aqui temos cinco situações banais que mal mal caberiam numa sitcom. A estética é a mesma, mas não teria passado do piloto se fosse na televisão.

Jennifer Lopez quer ter um filho, não é fértil e tem um marido (Rodrigo Santoro) inseguro quanto à paternidade; Elizabeth Banks é especialista em gravidez, não consegue engravidar e, para piorar, tem um sogro (Dennis Quaid) metido a garotão casado com uma supermodelo novíssima (Brooklyn Decker) que insiste em chamar o enteado mais velho que ela (Ben Falcone) de filho; Anna Kendrick tem um caso rápido com um antigo interesse (Chace Crawford) e se descobre grávida; e temos Cameron Diaz como uma apresentadora de televisão que participa de um tipo de Dança dos Famosos e engravida do professor de dança (Matthew Morrison). Junte aí mais uns coadjuvantes, como os pais que se encontram no parque, e pronto! Vários atores e personagens que não destoam entre si, e são prejudicados igualmente pelo roteiro babaca.

O livro de Heidi Murkoff é um grande sucesso editorial, tido como um dos 25 livros mais importantes dos últimos 25 anos (pelo USA Today). Já vendeu mais de 17 milhões de cópias e deu origem a uma série que acompanha o crescimento da criança. Heidi partiu das dúvidas e anseios que ela mesma teve ao dar à luz a primeira vez, e escreveu um manual para ajudar mães de primeira viagem. Coube às roteiristas Shauna Cross e Heather Hach (quem?) condensar esses ensinamentos em personagens de ficção, criando uma obra chata, burocrática e que parece durar uma eternidade. E o pior: não dá para simplesmente pular as páginas mais cansativas.

Levando-se em consideração que Kirk Jones fez sua estreia na direção com o simpaticíssimo A Fortuna de Ned (Waking Ned, 1998), era de se esperar mais desse O que Esperar. Um bando de clichês, músicas sentimentais, atores famosos e personagens rasos feito tábua são reunidos para tentar fazer o público rir e chorar num espaço de 100 minutos. Aposto que tédio e raiva não estavam entre os sentimentos que essa trupe esperava causar em seu público.

Mais um trabalho insípido na carreira internacional de Rodrigo Santoro

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Roteiro e Pattinson tentam derrubar clássico francês

por Marcelo Seabra

Por algum motivo, acharam que um clássico da literatura francesa precisava apenas de um rostinho bonito para ganhar vida adequadamente. Contrataram, então, o eterno vampiro crepuscular Robert Pattinson que, mais uma vez, prova precisar urgentemente de outra profissão. No entanto, dá para apreciar Bel Ami (ou, no Brasil, O Sedutor, de 2012) por suas outras qualidades. Afinal, trata-se de uma ótima peça de Guy de Maupassant, diversas vezes adaptada, e temos a presença de três boas atrizes.

Bel Ami (ou bom amigo, do francês) é o apelido que Georges Duroy (Pattinson) ganha de uma criança logo que entra no convívio da alta classe parisiense do fim do século XIX. Sem um tostão, após dar baixa no exército, Duroy chega a Paris e dá a sorte de encontrar um antigo conhecido de armas que conseguiu se estabelecer como editor de política de um grande jornal local, Charles Forestier (Philip Glenister, da série Life on Mars). Convidado para um jantar, ele logo descobre que são as esposas que dão as cartas, manipulando os maridos.

A pergunta que imediatamente vem incomodar é: por que aquelas mulheres inteligentes e poderosas cairiam na conversa de Duroy? Teria ele um charme irresistível? Suas vítimas em potencial são Uma Thurman (a musa de Tarantino), Kristin Scott Thomas (a tia Mimi de O Garoto de Liverpool, de 2011) e Christina Ricci (da recém-cancelada Pan Am – ao lado). Fica a impressão de que a história foi suprimida pelo roteiro da novata Rachel Bennette, muita coisa é apressada e ficamos sem algumas explicações importantes. Algumas cenas com Duroy acabam provando o contrário do que deveriam: que ele não consegue nem mesmo manter uma conversa menos fútil.

Alguns filmes dependem bastante de seus protagonistas, e esse é o caso aqui. Leonardo DiCaprio, desde o início de sua carreira, fez ótimas escolhas de diretores e deve ter aprendido muito com eles para ter chegado onde chegou. Pattinson não demonstra a mesma sabedoria e os diretores teatrais Declan Donnellan e Nick Ormerod, fazendo sua estreia no cinema, não têm a experiência necessária. Ou talvez o problema seja pura e simplesmente a incapacidade do ator de interpretar. Assim como sua colega de Crepúsculo (e namorada, ou ex, sei lá) Kristen Stewart, ele se resume a meia dúzia de expressões faciais, nem sempre usadas na hora certa. Mesmo a sua beleza, que teoricamente seria inquestionável, não funciona sob certos enquadramentos e jogos de luzes, dando-lhe um quê monstruoso. E a câmera acaba se perdendo inexplicavelmente na cara de Pattinson, e sobram closes.

A graça de assistir a Bel Ami, além das três competentes atrizes, é perceber a trama de Maupassant que serviu de base, mesmo que mal aproveitada. O alpinismo social é um tema muito rico e interessante e a França tem um histórico de personagens bem construídos. Duroy lembra o Visconde de Valmont de As Ligações Perigosas, de Chordelos de Laclos, mas vai além por não agir apenas por diversão, mas por necessidade. Ser pobre é algo que ele não vai tolerar, não se trata apenas de espantar o tédio. Apesar de ser esta a cara de Pattinson.

Essa é uma das poucas expressões do rapaz – e não diz nada!

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Histórias de fantasmas povoam as locadoras

por Marcelo Seabra

Coisa difícil de ser ver é um bom filme de suspense. Quando se trata de um estilo clássico, uma história de fantasmas à moda antiga, é mais difícil ainda. Coincidentemente, tivemos duas estreias na mesma época que mostram que ainda é possível assustar com classe, sem apelar a matanças ou a esguicho de sangue. Para quem perdeu nos cinemas, vale a pena conferir no conforto de casa, no escurinho e debaixo das cobertas: A Mulher de Preto (The Woman in Black, 2012) e O Despertar (The Awakening, 2011).

A exemplo da personagem de Hilary Swank em A Colheita do Mal (The Reaping, 2007), outro bom exemplo de suspense, temos em O Despertar Rebecca Hall (de Vicky Cristina Barcelona, 2008) vivendo uma escritora especialista em desvendar supostos casos sobrenaturais. A Inglaterra estava devastada pela Primeira Guerra Mundial e Florence Cathcart ganha a vida, por exemplo, participando de sessões espíritas e revelando os truques das videntes. É nos momentos mais complicados que as pessoas buscam todo tipo de suporte, até de outro mundo, e vigaristas veem aí uma oportunidade.

Gozando de certa fama trazida pelos livros nos quais descreve casos em que trabalhou, Florence é convidada para um novo trabalho. Robert Mallory (Dominic West, de John Carter, de 2012) é professor em um internato de garotos e está às voltas com rumores de uma assombração, o espírito de um dos alunos que morreu há algum tempo. Assim, Florence acompanha Robert e a trama começa, sempre com um clima de tensão crescente em que vemos muito pouco do que está errado, mas sabemos que há algo lá. E ajuda muito contar com a magnética presença de Imelda Staunton (a Dolores Umbridge de Harry Potter) com a misteriosa criada da instituição.

A Mulher de Preto cria o mesmo tipo de ambientação, também invocando clássicos como Os Inocentes, de Henry James. As paisagens, sempre com chuva e mato, ajudam a aumentar a dose de melancolia do protagonista, um advogado que precisa superar a morte da esposa para continuar no trabalho e sustentar o filho pequeno. Daniel Radcliffe, que vive Arthur Kipps, consegue se desvencilhar de seu personagem mais famoso, ninguém menos que Harry Potter, e mostra que cresceu e tem fôlego para uma boa carreira além da série que o marcou.

Kipps é enviado para uma mansão abandonada em uma pequena cidade inglesa, em um terreno pantanoso que lembra O Cão dos Baskervilles, para dar andamento ao espólio da velha viúva que lá morava. Por ser relativamente hostilizado pelos locais, Kipps já percebe que há algo errado, mas não há opção para quem precisa manter o emprego. O único amigo que faz é o rico Sr. Daily (Ciarán Hinds, de Motoqueiro Fantasma 2, 2012), que conhece bem a história do lugar e, ao lado da esposa (Janet McTeer, de Albert Nobbs, 2011), tem sua dose de traumas para lidar.

O diretor e roteirista de O Despertar, Nick Murphy, faz sua estreia em longas-metragens, advindo da TV, enquanto James Watkins, responsável por A Mulher de Preto, tem uma experiência prévia no currículo: o bom suspense Eden Lake, lançado aqui como Sem Saída (em 2008). Não era esperado que nenhum dos dois fosse conseguir alcançar um resultado tão interessante com tão pouca bagagem. E é verdade que ambos os filmes têm finais questionáveis, que podem desagradar uma parcela do público. Se você levar para casa um dos dois esperando sentir um friozinho na espinha e sabendo que o que é só sugerido tem um efeito muito mais aterorizante, a experiência vai se mostrar bem positiva.

Ele já não é mais Harry Potter

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Batman ressurge e encerra a trilogia de Nolan

por Marcelo Seabra

A primeira coisa a se dizer sobre a trilogia Batman de Christopher Nolan é: nada é menos que ótimo, pelos três filmes. Após assistir a Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge (The Dark Knight Rises, 2012), uma sensação de alívio é inevitável. O padrão foi mantido, o personagem é respeitado, ninguém pisa na bola. Erros de outras séries passaram longe. No entanto, o único problema com o filme é apenas o fato de ser a sequência do fantástico O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight, 2008), que segue com o título de melhor adaptação de quadrinhos já realizada. A expectativa criada é gigantesca e fica difícil corresponder.

A primeira parte de uma trilogia deve apresentar personagens, cenários, situações. Na última, é o momento de se amarrar as pontas soltas, deixadas aqui e ali, propositalmente ou não. Inevitavelmente, a segunda parte leva vantagem, ela pode usar melhor o tempo para desenvolver sua própria história e deixar o todo para depois. Logo, Batman Ressurge (chamemos assim para facilitar) tem que dar um destino aos personagens já conhecidos, além de precisar apresentar alguns novos para trazer aquela necessária dose de ar fresco. Ter muitas figuras em cena pode ser complicado, mas os Nolans dão conta do recado.

A história, de David Goyer e Christopher Nolan, aproveita características de algumas revistas em quadrinhos, mais especificamente a graphic novel Ano Um (no que diz respeito à Mulher Gato) e a saga A Queda do Morcego (sobre Bane – ao lado). Isso era óbvio desde os trailers, e não significa que tudo será aproveitado. A trama do filme é totalmente nova, seguindo caminhos independentes de qualquer outro produto envolvendo Batman. Em certos momentos, fica uma dúvida sobre o tempo que se levou para determinada ação, ou como fulano chegou naquele ponto. Outro ponto negativo que chama a atenção é a repetição de algumas situações vistas no longa anterior, mudando-se – é claro! – o contexto. Mas o roteiro dos Nolans (o diretor e Jonathan) envolve o espectador a tal ponto que passamos por cima dessas pequenas falhas.

Batman Ressurge, curiosamente, tem boa parte de suas cenas sem o Batman propriamente dito, o que o faz focar bastante em Gotham e nos cidadãos da cidade. Isso aumenta ainda mais o interesse do público por permitir um desenvolvimento dos personagens, e ainda podemos torcer por um ou outro. Mais uma vez (como no longa anterior), tememos pela integridade física daqueles nossos velhos conhecidos (e novos também), e Nolan já provou que nada é “sagrado”.

O elenco, como era de se esperar, é ótimo. Rostos já manjados (Christian Bale, Gary Oldman, Michael Caine, Morgan Freeman e companhia) recebem bem os novatos da série, que se enturmam facilmente. As maiores atrações são Anne Hathaway (de O Diabo Veste Prada, de 2006) e Tom Hardy (de Guerreiro, 2011), que vivem os personagens mais esperados: Selina Kyle (ou a Mulher-Gato) e Bane. Chegam ainda Joseph Gordon-Levitt (de 50%, 2011), Marion Cotillard (de A Origem, 2010), Matthew Modine (de Nascido para Matar, 1987), Ben Mendelsohn (de Reino Animal, 2011) e o sumido veterano Tom Conti (de Shirley Valentine, 1989).

A esta altura, o leitor já deve ter percebido que a última coisa que verá aqui é spoiler. Os rumos que a trama segue são interessantes demais para serem estragados e fecham com honras a trilogia de Nolan. Apesar de não ter o impacto de O Cavaleiro das Trevas, ou mesmo um vilão icônico como o Coringa de Heath Ledger, Batman Ressurge cumpre muito bem o seu papel e a carreira de Nolan segue imaculada.

O cineasta já demonstra em entrevistas estar saudoso do universo que ajudou a criar e do qual, agora, tem que se despedir. Trabalho mesmo vai ter quem assumir a tarefa ingrata de fazer o reboot do personagem, como o que aconteceu com o Homem-Aranha há pouco. Continuo torcendo por uma adaptação da magnífica série de Frank Miller O Cavaleiro das Trevas, que seria uma ótima forma de lidar com o personagem sem precisar reiniciar tudo e reinventar a roda.

Christian Bale, por conta própria, foi visitar os sobreviventes da tragédia em Aurora

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O Cavaleiro das Trevas está perto de ressurgir!

por Marcelo Seabra

Como se fosse ontem, lembro-me de quando foi anunciado oficialmente que Christian Bale havia sido contratado para viver a nova versão do meu herói favorito, Batman – notícia divulgada pelo Cinema em Cena imediatamente. Dentre os candidatos mencionados anteriormente, Bale era facilmente o favorito dos fãs do Homem-Morcego, que já estavam ansiosos pela escolha. Na lista, havia o atual Superman, Henry Cavill, além de Cillian Murphy (que ficou sendo o Espantalho), Josh Hartnett, Eion Bailey, Billy Crudup, Joshua Jackson e Jake Gyllenhaal, entre outros. Depois de trabalhos como Psicopata Americano (2000), Shaft (2000) e Equilibrium (2002), não tinha para ninguém. Chegaram a confundir imagens do “psicopata americano” Patrick Bateman com Bruce Wayne, já que os personagens dividem algumas similaridades, além do intérprete.

David Goyer, o roteirista, apesar de fã de quadrinhos, já mostrou que consegue errar a mão quando fica por conta própria (Blade e o Motoqueiro Fantasma que o digam). Aí, entra o diretor e também roteirista Christopher Nolan, que conduz o projeto de acordo com sua própria visão, bebendo em várias fontes (como o Superman de 1978 e Blade Runner) para criar algo novo, colocando os pés na realidade o máximo possível. Muitos apontam o desenho Batman: A Série Animada como influência, o que daria crédito ao premiado Bruce Timm, além do óbvio Tim Burton. O que realmente importa é que Nolan (e seu irmão Jonathan, co-roteirista) entendeu os conceitos ligados ao herói, mexeu pouco onde foi preciso e manteve todo o resto da mitologia.

Batman Begins (2005) chegou cercado de expectativas, e o resultado não poderia ter sido melhor. Nolan traçou um parâmetro altíssimo para tentar superar no filme seguinte. As origens de Batman foram bem fundamentadas ao dar várias dimensões a Bruce Wayne, esse sujeito atormentado que parece incapaz de ser feliz enquanto houver injustiça em sua cidade natal. Os vilões, bem escolhidos, entram bem na história, não sendo apenas uma distração, ou um problema a ser resolvido. O elenco fantástico também ajudou muito, com gente como Morgan Freeman, Gary Oldman, Michael Caine e Liam Neeson, e não houve nenhuma peça fora do lugar.

Eis que chegamos a 2008 e os fãs de Batman ganham outro presente: O Cavaleiro das Trevas. Parecia ser impossível: 1- bater o primeiro em qualidade; 2 – recriar o Coringa, figura icônica vivida pelo monstro Jack Nicholson em 1989. Pois Heath Ledger ganhou um Oscar (póstumo, infelizmente) praticamente por aclamação popular pelo papel, um feito considerável para uma adaptação de quadrinhos. Uma análise mais completa pode ser lida aqui, mas a moral da história é que Nolan está sempre se superando – isso, para não falar de suas outras obras fora do universo do herói.

Agora, é chegado o momento de conferir a conclusão da trilogia de Nolan e cia. Tudo, em Hollywood, parece se resolver como uma trilogia. Devem ter julgado esse tempo suficiente para o desenvolvimento de uma boa história. Há, também, o risco de pisar na bola e chamuscar o que foi feito antes (como Homem-Aranha 3, de 2007), Pensando na carreira que Nolan vem construindo e na recepção que O Cavaleiro das Trevas Ressurge (The Dark Knight Rises) tem tido onde é exibido, só podemos esperar outra obra de arte.

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Mantenha distância do mendigo com a espingarda

por Rodrigo “Piolho” Monteiro

Em 2007, os (algumas vezes supervalorizados) diretores Quentin Tarantino (Pulp Fiction, Cães de Aluguel, Bastardos Inglórios) e Robert Rodriguez (Sin City, a série Pequenos Espiões) se reuniram em um projeto intitulado Grindhouse. A ideia, então, era prestar homenagem aos filmes dos anos 1950 a 1970, época em que eram comuns produções com alienígenas ou relacionadas à ameaça atômica. Nessas décadas, por muitas vezes, os cinemas exibiam dois filmes pelo preço de um, com trailers entre um e outro (quem é de Belo Horizonte lembra-se que, nos anos 1980, essa prática era comum em cinemas no centro da cidade, que sempre exibiam um filme pornográfico seguido de uma produção chinesa de kung fu) e foi isso que Grindhouse queria emular. Assim sendo, Tarantino produziu e dirigiu o ruim À Prova de Morte e Robert Rodriguez fez o mesmo no péssimo Planeta Terror. Entre um e outro, os diretores chamaram amigos para produzir diversos trailers tão ruins – ou mesmo piores – do que os longa metragens que eles separavam.

Por algum motivo qualquer, algumas pessoas viram que desses trailers falsos poderia sair alguma coisa boa. Logo foi anunciado que um dos filmes falsos, Machete, seria produzido. O filme que resultou disso é, no máximo, assistível se você é fã da violência muitas vezes sem sentido que caracteriza os filmes dos diretores acima – ainda que ambos sejam bons contadores de histórias, quando querem ser.

Na rastro de Machete, em 2011, o diretor Jason Eisener, em sua estreia em longa metragens, decidiu desenvolver outro dos trailers de Grindhouse, Hobo with a Shotgun, cuja direção coube a ele mesmo. Sabe quando você vê um trailer e pensa: “putz, esse filme deve ser um lixo?” e assiste à produção e ela o surpreende positivamente? Pois é, não é o que acontece aqui. Hobo with a Shotgun (que, em tradução livre, seria algo como “mendigo com uma espingarda” e chegou ao Brasil com o título genérico O Vingador) não pode ser considerado um filme ruim. Teria que melhorar muito para alcançar essa classificação.

Estrelado por um Rutger Hauer (de Blade Runner, A Morte Pede Carona e Batman Begins) que só pode ter entrado nessa por estar em apertos financeiros, o “filme” tem um fiapo de história. Hauer, o mendigo sem nome, chega a uma cidade dominada pela máfia. A princípio, ele passa ao largo de tudo de ruim que acontece na cidade, até que, depois de ser surrado por alguns dos marginais que dominam a cidade, é socorrido pela prostituta Ally (uma tal Molly Dunsworth – acima). Eventualmente, Ally é perturbada pelos mesmos marginais e o mendigo – que juntava dinheiro para comprar um cortador de gramas que, pelo que deu pra entender, o lembra de seu passado (uma motivação esdrúxula, já que o sujeito mora nas ruas) – retribui o favor salvando sua vida. Não só isso, mas usa suas economias para comprar uma espingarda e sair distribuindo sua justiça pela cidade (onde ele arruma dinheiro para comprar a munição é algo que, claro, não precisa de explicação).

Com um elenco formado por maus atores de televisão, cujo menos desconhecido é Gregory Smith (de O Patriota e das séries Everwood e Rookie Blue), personagens unidimensionais e uma “história” que reaproveita todos os clichês ruins dos filmes trash dos anos 1970, Hobo with a Shotgun (ou O Vingador, está nas locadoras daqui) não vale nem o tempo que você iria gastar para baixar uma cópia pirata, muito menos ir a uma locadora para pegar. Se a ideia de Jason Eisener era homenagear os filmes ruins dos anos 1970, assim como Planeta Terror, Machete e A Prova de Morte, seu objetivo foi alcançado. Se a ideia for “quanto pior, maior é a homenagem”, correu tudo muito bem.

“Quem sabe, assim, eu pago as minhas contas?”

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Maníaco do caixa rápido não sustenta um longa

por Marcelo Seabra

Três colegas de trabalho vão sacar dinheiro em um caixa rápido. No Brasil, o problema é a saidinha de banco. No filme A Armadilha (ATM, 2012), o que realmente atrapalha é o maníaco do lado de fora, dando demonstrações gratuitas do quanto é louco. Os três se vêem encurralados em um espaço físico relativamente pequeno, com frio e com medo do sujeito que parece jogar com eles. Se o roteiro foi escrito por Chris Sparling, do tenso Enterrado Vivo (Buried, 2010), poderia dar coisa boa. Valeria, por isso, uma conferida.

Dessa ideia de colocar a história num lugar apertado já surgiram bons longas, como Por Um Fio (Phone Booth, 2002) e o próprio Enterrado Vivo, ambientado em um caixão. Mas também veio o recente Demônio (Devil, 2010), fraco e bobo até mandar parar. A Armadilha passou despercebido nos Estados Unidos em março e só agora chega ao Brasil, tentando ganhar algum dinheiro com a moda de psicopatas típicos dos anos 90, aqueles com motivos frívolos ou até sem nenhum. Ele quer ver no que aquilo vai dar, quer brincar de pega-pega com jovens que, se mortos, não farão falta ao mundo.

Para um curta-metragem, a premissa seria fantástica, mas torna-se um problema esticar isso para 90 minutos. O início e o fim são interessantes, mas o meio é cansativo e os personagens acabam tomando atitudes no mínimo estranhas. Eles não são nem de longe desenvolvidos, não os conhecemos além de um estereótipo: o cara bonzinho que quer se declarar para a garota legal (Brian Geraghty, de Guerra ao Terror, de 2008); um mulherão que não passa da tal garota legal que procura um cara bonzinho (Alice Eve, de Homens de Preto 3, de 2012); e um babaca que está obviamente sobrando e acaba levando todos pro buraco (Josh Peck, da série juvenil Drake & Josh). Ah, e tem o tal sujeito do capuz, do qual não sabemos nem o rosto, muito menos suas motivações.

A Armadilha tem seus bons momentos e pode agradar aquele público que gosta de uns sustos e de uns cadáveres empilhados (apesar de só haver três possibilidades). Se o morto for irritante como Peck ou sem graça como o casal, melhor ainda. O final, inesperado e bem bolado, pode satisfazer quem aguentou ficar até lá, deixando até uma boa impressão ao final da sessão. O diretor David Brooks é iniciante e tem tempo para aprender. Sparling ainda precisa mostrar que não é uma maravilha de um sucesso apenas.

“Seria isto a versão sádica do Big Brother?”

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Headhunters prova o potencial do cinema norueguês

por Marcelo Seabra

Mais uma prova de que se deve ficar de olho no cinema escandinavo é o longa Headhunters (ou Hodejegerne, de 2011). E também reafirma que americanos não gostam de ler legendas – a adaptação hollywoodiana do mesmo livro já está a caminho. Boa novidade para Jo Nesbo, escritor norueguês muito conhecido em sua terra natal, mas que ainda deve ser descoberto no resto do mundo. Mesmo que os atores desconhecidos por estas bandas e a língua complicada não tenham facilitado em nada a distribuição da obra, não se deve perder a oportunidade.

Quando não se tem um nome de peso como chamariz, corre-se o risco de o público não se interessar muito. O diretor Zhang Yimou, por exemplo, sabia disso e incluiu Christian Bale em seu Flores do Oriente (Flowers of War, 2011). Não foi o caso de Morten Tyldum, que chamou personalidades locais da Noruega para dar vida às criações de Nesbo e atingiu um resultado fantástico, não merecendo ficar restrito aos circuitos alternativos ou de arte. Tyldum trabalhou anteriormente com o personagem Varg Veum, detetive do também norueguês Gunnar Staalesen.

Headhunters é protagonizado por Aksel Hennie (ao lado), estabelecido e competente ator de Oslo. Ele vive Roger Brown, um cidadão acima de qualquer suspeita – ao menos, aparentemente. Roger é um importante recrutador de uma empresa de Recursos Humanos que, nas horas vagas, rouba obras de arte para manter seu alto padrão de vida. Por ser baixinho, ele acredita precisar de algo mais para manter sua bela esposa-troféu (Synnøve Macody Lund) ao seu lado. Claro que ela não precisa saber da existência da amante e do parceiro contrabandista que ajuda a dar destino às obras roubadas.

Para acabar com toda essa calmaria, Roger conhece Clas Greve (Nikolaj Coster-Waldau, o Jaime Lannister de Game of Thrones – ao lado), jovem CEO recém-aposentado de uma grande empresa de tecnologia que guarda um valioso quadro que há muito acreditava-se perdido. Roger logo marca uma entrevista para recolocar Greve em outra empresa, sua cliente, planejando roubar o quadro em sua ausência. Mas, com um protagonista desse nível, o antagonista teria que ser muito bom – e Roger descobre isso da pior forma. Como em um filme dos irmãos Coen, muita coisa pode dar errado e bastante sangue vai ser derramado. Roger tem tudo a perder, e viver em desgraça, desmascarado, é algo que ele não vai deixar acontecer.

Nesbo tinha muito receio de vender os direitos de filmagem de seu livros, e a experiência positiva com Headhunters o deixou mais confiante. Abriu-se então a torneira e Sacha Gervasi (de O Terminal, 2004) já foi contratado para escrever a versão americana. E Martin Scorsese segue à frente da adaptação de The Snowman, sétima aventura de Harry Hole, detetive que Nesbo já empregou em nove histórias. Headhunters teve o segundo melhor fim de semana de abertura do cinema da história da Noruega. Vamos ver como Nesbo se sai nos Estados Unidos.

O trio principal começa a se conhecer

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