A partir de 1941, durante a Segunda Guerra Mundial, os nazistas implementaram o que chamavam de “Solução Final da Questão Judaica” e, até o fim da guerra, em 1945, estima-se que tenham executado seis milhões de judeus. Isso sem falar em quem era acusado de ser comunista ou homossexual, prisioneiros de países inimigos, ciganos e outros grupos minoritários. Um dos principais nomes desse genocídio, que testou, aperfeiçoou e colocou em prática técnicas de assassinato em massa em campos de concentração, foi Rudolf Höss, oficial da SS e comandante de Auschwitz, o mais infame dos campos. Ele é o protagonista de Zona de Interesse (The Zone of Interest, 2023), que chegou aos cinemas recentemente.
Mesmo com os elogios recebidos por Sob a Pele (Under the Skin, 2013), Jonathan Glazer levou dez anos para dirigir outro longa, e escolheu adaptar o livro homônimo de Martin Amis. Ao contrário do escritor, Glazer preferiu ser mais claro e colocou nomes reais e situações comprovadas por documentos em seu roteiro, narrando um curto período na vida de Höss em que o nazista, a esposa e os cinco filhos viviam ao lado de Auschwitz, uma das muitas “zonas de interesse” de Hitler e seus asseclas. Ao mesmo tempo, o título também serve para descrever a sensação da esposa, Hedwig, que se via realizada por morar lá, numa casa confortável, com piscina e empregadas. Não ligava que isso tudo estivesse ao lado do inferno, exemplificando a teoria da banalidade do mal elaborada por Hannah Arendt.
Por todos os registros que se tem, Höss parecia um sujeito sereno, calmo, um corriqueiro cidadão de bem, que discutia a construção de câmaras de gás como quem elabora uma lista de compras no supermercado. Christian Friedel (de A Fita Branca, 2009), com o mesmo corte de cabelo horroroso visto em fotos da época, faz um ótimo trabalho, atraindo para si boa parte do ódio dos espectadores. Surpreendentemente, uma figura ainda mais nefasta era Hedwig, vivida de maneira magnífica por Sandra Hüller, indicada nas principais premiações nesta temporada como atriz principal de outro filme excelente: Anatomia de Uma Queda (Anatomie d’une Chute, 2023).
São várias as características louváveis do longa, como toda a recriação dos ambientes internos da época, dos mais simples aos suntuosos, e dos externos, como a entrada de Auschwitz e as paisagens idílicas dos arredores. O que mais marca, no entanto, é o desenho de som, justamente indicado ao Oscar. Como era possível aproveitar um dia ensolarado na piscina com tiros sendo ouvidos tão perto? Com diversos barulhos vindo do vizinho, todos indicando morte, tortura e afins? Seria muito merecido ter Tarn Willers e Johnnie Burn (este também de Pobres Criaturas, 2023) sendo chamados na premiação da Academia, nenhum outro filme da temporada usou tão bem o som.
Há momentos em Zona de Interesse em que temos a sensação de que Glazer conta com a experiência prévia de seu público, já que muito não é explicado. Situações são mostradas já iniciadas, exigindo um um pouco mais do espectador, o que é louvável e pouco comum, já que cineastas costumam incorrer no contrário: explicar demais. O longa cresce ao se pensar a respeito, mas (como escreveu meu amigo Tullio Dias) não é para ser visto mais vezes, e isso é um elogio. Dois ou mais socos seguidos no estômago fazem um estrago maior.
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