Tetris é mais um produto a ter a história contada

Mais um exemplar do subgênero que tem sido chamado de “Cinema das coisas”, Tetris (2023), como o título já deixa claro, fala do joguinho. Não exatamente da criação dele, mas da comercialização, no final dos anos 80. Com um toque exagerado à James Bond, o roteiro traz alguns dos fatos ligados à guerra pela licença nos vários formatos possíveis, como computador, console, aparelhos portáteis e fliperama, mostrando como pano de fundo a derrocada da União Soviética.

Vindo de sucessos como a cinebiografia de Elton John, Rocketman (2019), e a série policial Black Bird, Taron Egerton foi o escolhido para viver o protagonista, Henk Rogers, um programador e empresário que apresentava seu novo jogo numa feira em Las Vegas quando conheceu Tetris e viu o seu potencial para gerar milhões. Indo atrás dos direitos de comercialização, ele entra num embate envolvendo gigantes do ramo. Como Tetris foi inventado por um programador soviético, as coisas tomam outra proporção, virando um duelo entre comunismo e capitalismo.

O contexto de Guerra Fria e tensão constante lembra o vencedor do Oscar Argo (2012), apesar de Egerton ter dito em entrevista que o clima buscado era o de A Rede Social (The Social Network, 2010). Os verdadeiros Henk Rogers e Alexey Pajitnov, o inventor, serviram de produtores e consultores ao filme, dando sugestões quanto à veracidade de certas passagens. Segundo Rogers, algumas dessas sugestões foram aceitas, buscando uma maior fidelidade à história real. Outras foram descartadas em prol da dramaticidade e do suspense.

Tanto os personagens russos quanto os japoneses são interpretados por atores da mesma nacionalidade, o que ajuda bastante. O único que fugiu desse aspecto e recebeu críticas por isso foi o inglês Egerton, já que Rogers nasceu na Holanda, mas tem ascendência parcialmente indonésia. Os rostos mais reconhecíveis do elenco são os de Toby Jones, Rick Yunes, Ben Miles, Roger Allam e Anthony Boyle, que vive o irritante Kevin Maxwell. Entre os russos, destaques para Nikita Efremov (que faz Pajitnov) e Oleg Shtefanko (o executivo da estatal), e o ponto baixo é o caricato vilão de Igor Grabuzov.

A trilha sonora de Tetris é um caso à parte. Muito interessante, ela traz faixas dos anos 80 como as conhecemos, como Opportunities (dos Pet Shop Boys) e The Final Countdown (Europe), e outras várias regravações de clássicos em russo (como Heart of Glass) e japonês (Holding Out for a Hero), além da trilha original de Lorne Balfe (de Dungeons & Dragons, 2023) e dois singles compostos para o filme: Hold On Tight, do grupo feminino de K-pop aespa, e Benevolence, do DJ Aaron Hibell.

Fora os exageros típicos de filmes de espionagem e uns maniqueísmos relacionados a política, Tetris é divertido e funciona bem. E acaba balanceando a questão política, mostrando as agruras dos dois lados. Jon S. Baird (de Stonehouse e Vinyl) assina a direção, com roteiro de Noah Pink (criador da série Genius). Nenhum dos dois é muito conhecido ou expressivo, mas a parceria deu certo. São quase duas horas de reviravoltas que nos deixam na dúvida do que teria realmente acontecido. A única certeza que temos é de que Tetris é até hoje jogado no mundo todo.

Rogers não aceitava “não” como resposta

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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