Aftersun traz uma bela relação entre pai e filha

por Laís Simão

Um dos destaques da temporada atual de premiações, Aftersun (2022) retrata a lembrança de Sophie (Frankie Corio), que a partir de vídeos gravados por uma câmera caseira e por fragmentos de sua memória, relembra as férias que passou com seu pai (Paul Mescal). A história se passa em um hotel decadente na Turquia, com ambientação próxima aos anos 90. Por meio de cortes entre o que é lembrança e o que foi registrado em vídeo, a adulta Sophie reconstrói sua história na tentativa de entender melhor o pai.

Nos últimos anos, escutamos com frequência o termo “mãe solo”. A normalização do termo veio para denominar uma realidade vivenciada por diversas mães no Brasil. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase 12 milhões de mulheres brasileiras sabem e vivem essa realidade. No primeiro semestre de 2022, o Portal de Transparência de Registro Civil constatou que no Brasil 100.717 bebês vieram ao mundo sem o registro paterno em sua certidão de nascimento, o que equivale a 6,5% total de recém-nascidos.

O abandono paterno é uma possibilidade que, por vezes, não é alcançado como escolha da mãe. Muito se discute sobre a solidão na maternidade solo, mas pouco se fala sobre a lacuna que fica para o filho que cresce na ausência do pai.

A atuação de Mescal merece destaque. O jovem pai Calum é mostrado em camadas, aos poucos vamos conhecendo melhor suas questões. De pronto é apresentado como um pai companheiro, sensível e protetor. No entanto, a partir do desenrolar de história, percebemos as complexidades que carrega em sua bagagem, sobretudo em relação a sua difícil infância, bem como os atuais problemas financeiros, o que indiretamente é projetado em sua filha.

Mescal se tornou bastante conhecido em seu papel na série Normal People e também recentemente participou do filme A Filha Perdida (The Lost Daughter, 2021), atuando com a célebre Olívia Colman. A escolha por um rosto conhecido foi decisiva, pois auxiliou na imediata confiança e identificação com o personagem. Isso sem contar o carisma do ator, o que lhe garantiu a indicação como Melhor Ator no Oscar 2023, sendo essa a única indicação de Aftersun para a premiação.

A atriz Frankie Corio é um nome que vale acompanhar. Com apenas 13 anos de idade, já pode se orgulhar do excelente desempenho no filme, que foi seu primeiro papel. Corio soube interpretar os conflitos de uma pré-adolescência em descoberta, sem perder ainda aspectos importantes da infância. Em entrevistas, Mescal não economizou elogios à parceira de atuação e ainda contou que, por orientação da diretora e roteirista Charlotte Wells, antes de iniciar de fato as gravações os atores conviveram em um ambiente livre de câmeras e roteiro, apenas se preocupando em conhecer um ao outro e desenvolver a intimidade que foi perfeitamente demonstrada no longa.

A partir das lentes sensíveis de Wells, a história de Sophie e Calum se misturam com a sua própria. Wells não escondeu do público que Aftersun, seu primeiro filme, possui traços biográficos. A informação não é de todo irrelevante, até mesmo pela forma que a história foi contada: tal como a protagonista que pretende entender a si mesma, Wells fez de uma possível história de abandono uma obra de arte. Outro nome que vale a pena acompanhar.

Por fim, para todos que vivenciaram os anos 90, a trilha sonora foi quase um presente por nos permitir alcançar as lembranças movidas pelas músicas tocadas naquela época, tal como Losing My Religion, de R.E.M, Drinking in L.A., de Bran Van 3000 e Under Pressure, de Queen (embora seja dos anos 80, é quase onipresente entre as gerações).

Para quem não conseguiu assistir ao filme nos cinemas, ele já está disponível no Amazon Prime Video, Apple TV, Youtube e Google Play Filmes.

Wells levou seu elenco a várias premiações

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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