Tom Hanks é um homem chamado Otto

“Nenhum homem é uma ilha”, escreveu John Donne. Pois um homem chamado Otto (o título original) bem gostaria de ser uma, sem ninguém em volta para incomodá-lo. “Idiotas”, ele está sempre repetindo. O Pior Vizinho do Mundo (A Man Called Otto, 2022) chega aos cinemas essa semana se aproveitando da imagem de bom moço de Tom Hanks, colocando-o como um idoso mal humorado que está sempre fazendo os outros seguirem as regras. Por mais bestas que possam ser.

De tão sistemático e quadrado, Otto parece ser a versão mais velha de Forrest Gump (1994), grande personagem de Hanks. Não chega a ser um criminoso, como em Estrada para Perdição (Road to Perdition, 2002), nem um provável escroque como o Coronel Parker de Elvis (2022). No entanto, está longe dos bonzinhos que chegavam para o ator no início de carreira, o que mostra que Hanks tem sido bem criterioso (já há alguns anos) ao escolher seus papéis. Não é fácil atrair simpatia para o antipático Otto.

Quando o conhecemos, ele vive sozinho, prestes a se aposentar em uma empresa à qual se dedicou por anos e que não lhe deu valor algum. Com uma vida insossa e sem perspectivas, o suicídio parece uma boa ideia. Em meio a flashbacks que nos apresentam melhor ao sujeito e à Sonya (Rachel Keller, de Dirty John), vizinhos novos chegam e começam a alterar aquela rotina monótona e aborrecida.

O roteirista, David Magee, tem um histórico de filmes com temas pesados que conseguem se manter otimistas, sem sentimentalismos baratos (como em Em Busca da Terra do Nunca, 2004, e As Aventuras de Pi, 2012). Magee se baseia, aqui, não só no livro de Fredrik Backman, mas também no longa sueco Um Homem Chamado Ove (2015), de Hannes Holm, que teve duas indicações ao Oscar (Melhor Filme Internacional e Melhor Maquiagem e Cabelo).

Em Busca da Terra do Nunca marcou a primeira colaboração de Magee com Marc Foster, diretor de Otto que tem obras bem diversas em sua filmografia: de James Bond (Quantum of Solace, 2008) a dramas pesados (como O Caçador de Pipas, 2007), passando por comédias (Mais Estranho que a Ficção, 2006) e zumbis (Guerra Mundial Z, 2013). Foster segura no drama, conseguindo evitar apelações, mesmo tratando-se de uma história triste. Não será fácil, para o público, evitar as lágrimas, mas Foster e Magee não abusam.

Em meio a toda essa tristeza, o casal novo na vizinhança proporciona momentos mais leves, sempre mantendo um certo realismo. O marido (Manuel Garcia-Rulfo, de Esquadrão 6, 2019), é meio palerma, quem mantém a família no bom caminho é a esposa (Mariana Treviño, de Club de Cuervos – acima), que acaba tendo mais interações com Otto. Temos outros vizinhos, com destaque para Jimmy – Cameron Britton chamou bastante atenção como um psicopata em Mindhunter e é sempre uma figura interessante. Mack Bayda (de Ouija, 2020), como Malcolm, nos proporciona um momento bem emocionante.

Se O Pior Vizinho do Mundo não chega a ser um destaque na fantástica carreira de Hanks, passa longe de ser uma vergonha, como Larry Crowne (2011) ou Joe Contra o Vulcão (Joe Versus the Volcano, 1990). É um filme sensível, com sequências engraçadas e o carisma inegável de seu astro. E ainda foi uma boa oportunidade para Hanks trabalhar com o filho, Truman Hanks (de Relatos do Mundo, 2020), os dois no mesmo personagem, inclusive.

Os Hanks posam com o casal de vizinhos na estreia

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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