Tom Hanks espalha pelos EUA os Relatos do Mundo

À primeira vista, a história de Relatos do Mundo (News of the World, 2020) não devia ser das mais atraentes. Uma trama bem simples, previsível e sem muitas emoções. Nas mãos de Paul Greengrass, ela ganha nuances interessantes e tem pontos atuais ressaltados, mesmo sendo um faroeste. E o diretor retoma a parceria com seu protagonista de Capitão Phillips (Captain Phillips, 2013), Tom Hanks.

Vivendo um outro capitão, um militar reformado, Hanks faz toda a diferença no projeto. Um ator do calibre dele era o que o personagem precisava para ficar na dose certa: sem exageros, mas longe de ser cansativo. Ele faz parecer ser fácil. O Capitão Jefferson Kidd vive pulando de cidade em cidade contando as notícias do mundo em troca de algumas moedas. Ele recolhe jornais por onde passa e seleciona as melhores anedotas para suas apresentações.

Em uma dessas cidades, Kidd se vê preso a uma garotinha (a expressiva Helena Zengel) que parece ter ficado órfã, mas tem tios a algumas centenas de quilômetros de distância. Sem saída, o Capitão decide levá-la, atravessando os Estados Unidos numa carroça. Mais um meio de transporte para a lista de Hanks, que parece ter sofrido acidentes em todos eles – até numa nave espacial (em Apollo 13, 1995).

Curiosamente, Hanks vem de outro filme em que viveu um capitão: Greyhound – Na Mira do Inimigo (2020), também distribuído por um serviço de streaming (Apple TV). Relatos do Mundo, que chega ao Brasil pela Netflix, se assemelha a Greyhound por inserir momentos tensos em uma calmaria. Mas Relatos traz uma carga sentimental que não é comum aos filmes de Greengrass, mais lembrado pela ação da franquia de Jason Bourne e o suspense de United 93 (2006). Spielberg seria uma escolha mais óbvia aqui.

Greengrass, no entanto, faz um ótimo trabalho costurando uma colcha impecável. Todas as peças se encaixam e o resultado fica bem acima da média. O livro de Paulette Jiles ganha vida pela rica fotografia de Dariusz Wolski (de A Travessia, 2015), tudo pontuado pela singela trilha de James Newton Howard (da franquia Animais Fantásticos), que lembra muito o instrumental das canções de Johnny Cash. Temos uma boa ideia de como era a vida nos idos de 1870 nos Estados Unidos, pouco após a abolição da escravatura, com um país ainda dividido.

Mesmo com o fim da Guerra da Secessão, ainda havia muita disputa entre os estados e isso dava oportunidade para o surgimento de lideranças armadas locais (mais conhecidas como milícias) e muitas mentiras, usadas para controle da população. As notícias contadas por Kidd traziam um pouco de esclarecimento para as pessoas, alimentando a insipiente noção de democracia da época.

Com vários assuntos pincelados, o roteiro (de Greengrass e Luke Davies) acaba dando mais espaço à questão da comunicação. Kidd leva informação a lugares onde ela não chegaria de outra forma, promovendo ainda um evento social no qual os vizinhos se encontravam. É como se Kidd tivesse o poder de influenciar as pessoas, mas optasse pela verdade. Numa época em que a extrema direita fabrica suas notícias, Greengrass e Hanks parecem se lembrar daquela passagem bíblica que diz que a verdade libertará.

Hanks certamente dá mais profundidade ao personagem que John Wayne daria

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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