Nascido em Osnabrück em 1898, Erich Maria Remarque partiu para lutar na Primeira Guerra Mundial em prol de seu país, a Alemanha, aos 18 anos. Apesar de ferido várias vezes, sobreviveu ao conflito, voltou para casa e, em 1929, lançou Im Westen Nichts Neues, no qual reconta, de maneira romanceada, suas experiências na frente ocidental, onde batalhas foram travadas principalmente na França. Sucesso quase instantâneo, o livro se tornou um dos clássicos da literatura mundial ao retratar a crueldade da guerra através dos olhos do autor que, aqui, cria para si um personagem narrador, o soldado Paul Bäumer.
O impacto do livro foi tão grande que, no ano seguinte, ele foi levado ao Cinema pela primeira vez. Uma segunda versão, dessa vez para a TV, foi feita em 1979. Agora é a vez de Nada de Novo no Front (Im Westen Nichts Neues, 2022) chegar à Netflix pelas mãos do diretor alemão Edward Berger (de The Terror). Esta adaptação se distancia bastante do livro na qual foi inspirada, ainda que a essência dele esteja ali.
Nada de Novo no Front começa em 1917, com a Primeira Guerra Mundial já em seu terceiro ano. Parte da juventude alemã de então, incentivada pela geração anterior, não aguenta esperar chegar aos 18 anos para poder se alistar e partir para a guerra. Esse é o caso de Paul Bäumer (o estreante Felix Kammerer) que, junto com três amigos, assina os papéis necessários, passa por um treinamento – não mostrado na tela – e logo se vê enfrentando as metralhadoras e bombas do inimigo em trincheiras alagadas, infestadas de ratos e onde o medo de ataques de gás é algo rotineiro.
Dezoito meses depois, o conflito continua, mas os alemães parecem cansados dele. Eles sabem que as coisas andam mal e querem acabá-lo de uma maneira honrosa, por falta de uma palavra melhor. Entra aí Matthias Erzberger (Daniel Brühl, de Falcão e o Soldado Invernal – abaixo), representante do governo alemão encarregado de negociar um cessar-fogo com os aliados que, efetivamente, acabará com a guerra. A partir desse momento, o longa se foca nos três dias de negociações que culminaram no fim das hostilidades, às 11 horas de 11/11/ 1918.
Um dos méritos de Nada de Novo no Front é mostrar um dos principais contrastes da guerra. De um lado, temos homens sadios, sentados em escritórios luxuosos, em segurança, comendo do bom e do melhor enquanto se debruçam sobre questões burocráticas. Do outro, temos jovens mal saídos da adolescência, vivendo em trincheiras sujas, mal alimentados, sofrendo de privação de sono, estresse intenso e, claro, matando e morrendo por motivos que não lhes são muito claros. Mesmo no meio desse ambiente desesperador, há ainda espaço para irmandade, camaradagem, alguma traquinagem e, claro, planos para o futuro.
Essa característica humana é mostrada principalmente na amizade entre Paul e Stanislaus “Kat” Katczinsky (Albrecht Schuch), um especialista em conseguir proteínas para seu grupo de amigos. Kat, no entanto, não é o único companheiro de Paul a ser explorado no longa. Tjaden Stackfleet (Edin Hasanovic), que sonha em ser subtenente do exército, e Franz Müller (Moritz Klaus), um galanteador que consegue seduzir jovens francesas mesmo no meio de uma guerra, também têm grande destaque e colaboram muito para humanizar os soldados alemães. Outro que merece destaque é o General Friedrichs (Devid Striesow), um oficial alemão que não aceita o fim da guerra e acaba por selar o destino de Paul.
O grande destaque do elenco é o jovem Kammerer, que consegue incorporar muito bem as mudanças de Paul, de jovem recruta “verde” a soldado experiente, cínico e descrente de um futuro que não seja a morte no campo de batalha. Ao mesmo tempo, ele demonstra humanidade não só para com seus companheiros, mas também em relação a seus inimigos. Isso é visto em uma das melhores cenas do filme, que foi retirada diretamente do livro e, apesar de encurtada, ainda assim causa bastante impacto.
Outro trabalho que merece menção é o do diretor. Berger não dosa a mão nas cenas de ação. A violência e o desespero da guerra são mostrados como devem ser, inclusive a crueldade dos envolvidos. Obviamente, por ser um cineasta alemão mostrando o conflito do ponto de vista de seu povo, a crueldade aqui acaba ficando concentrada nos burocratas alemães – à exceção de Matthias, o único cuja prioridade é salvar vidas através do fim das hostilidades – e nos soldados franceses. Isso, no entanto, é um detalhe.
Apesar de todas as mudanças promovidas pelos roteiristas (Lesley Paterson, Ian Stokell e o próprio diretor), Nada de Novo no Front mantém a essência do livro de Remarque. E merece todos os elogios que vem recebendo. É um dos poucos filmes de guerra que retrata com maestria como esse tipo de conflito é visto de forma diversa entre os soldados que lutam por suas vidas nas trincheiras e os verdadeiros responsáveis pela guerra, que controlam as coisas usando uma caneta em escritórios ou trens seguros, a milhares de quilômetros do front.