A demanda por filmes e séries sobre crimes verdadeiros vem crescendo e as obras continuam chegando. Isso beneficiou os dois longas baseados no assassinato do casal Richthofen, que já estavam prontos e tiveram o lançamento atrasado pela pandemia. Disponíveis no Amazon Prime Video, A Menina que Matou os Pais (2021) e O Menino que Matou Meus Pais (2021) não deixam a desejar se comparados a produções gringas e retratam fielmente os depoimentos dos acusados. Para quem acompanhou o noticiário na época, não acrescenta muita coisa.
É claro que uma produção sobre uma criatura odiosa como Suzane von Richthofen iria levantar protestos. Mas os Estados Unidos todos os anos lançam algo sobre Ted Bundy e há consumo. E o que dizer de Mindhunter, série que reúne vários psicopatas? O Midas da televisão, Ryan Murphy, se prepara para lançar uma série sobre Jeffrey Dahmer, o canibal de Milwaukee. Logo, a única questão sobre o projeto Richthofen seria definir a abordagem, evitando uma abordagem sensacionalista ou rasa, reduzindo-a a algum papel estereotipado. Como a vítima, por exemplo, a pobre menina rica.
O diretor Maurício Eça (dos dois Carrossel, 2015 e 2016) e os roteiristas Ilana Casoy e Raphael Montes (da recente Bom Dia, Verônica) optaram por filmar duas obras paralelamente e, quando as assistimos, a razão fica óbvia. No tribunal, ao deporem, Suzane e o ex-namorado e cúmplice, Daniel Cravinhos, deram versões conflitantes dos crimes, um tentando jogar a culpa no outro. E é exatamente isso que os longas retratam: baseados nos depoimentos, eles variam de acordo com o que cada um falou. Sem pesar para lado nenhum. O que torna os dois interessantes.
Muito se falou sobre a ordem ideal para se assistir aos filmes, se faria alguma diferença começar por um ou pelo outro. A verdade é que são duas visões, então a ordem é irrelevante. O que pode fazer alguma diferença é a qualidade dos dois e a forma como o público vai recebê-los. Gostando do primeiro que assistir, você se motiva a ver o segundo. Sob essa ótica, o ideal seria começar por O Menino que Matou Meus Pais, que traz a versão de Suzane, que incrimina Daniel. Como obra cinematográfica, é mais instigante, bem escrita e bem encenada.
Em A Menina que Matou os Pais, no qual acompanhamos o depoimento de Daniel Cravinhos, os exageros chegam a incomodar. Eles podem ser resumidos a três pontos: o uso de maconha, o volume de palavrões ditos e a postura dos pais, que se tornam uns alcoólatras sádicos. Essa visão concentra os clichês, mostrando que o uso da droga estava muito frequente (por parte da garota) e usando os palavrões para sujar a imagem de Suzane. O longa inclusive aposta que uma orientação homossexual pesaria contra uma vítima.
No que diz respeito às interpretações, O Menino também ganha exatamente pelos mesmos motivos: o roteiro é mais apurado, os personagens são tridimensionais. Isso dá oportunidade para os atores globais Carla Diaz e Leonardo Bittencourt brilharem, criando personagens mais críveis. Em A Menina, as situações são tão forçadas que o bom trabalho do casal de protagonistas fica apagado. Os demais membros do elenco acompanham essa tendência, principalmente os intérpretes dos Richthofen assassinados: Vera Zimmermman (de Joana e Marcelo, 2002) e Leonardo Medeiros (de Kardec, 2019) mudam radicalmente de comportamento entre as duas versões, obedecendo o que Montes e Casoy escreveram. Os filmes se complementam, mas um é claramente superior ao outro.