Duas novidades engrossam a força do suspense no catálogo da Netflix. De 2019, mas chegando agora, temos o surpreendente À Espreita do Mal (I See You), que consegue mexer com a percepção do público indo por uma direção e, logo depois, mostrando que não era bem assim. Já o outro longa, Vultos e Vozes (Things Heard & Seen, 2021), segue uma linha mais tradicional de casa assombrada. Passa duas horas tentando construir uma atmosfera assustadora para jogar tudo fora com um final descabido.
De cara, À Espreita do Mal dá uma sacolejada no espectador com uma cena bem pensada, instigante e visualmente interessante. Um garoto desaparece, o método do sequestrador remete a polícia a um criminoso preso e um investigador se vê sem pistas. Em casa, o sujeito também tem problemas, com uma esposa infiel e um filho revoltado. Se o momento já não parecia bom para Greg Harper (Jon Tenney, de True Detective), experimente acrescentar eventos sobrenaturais, como objetos que se mexem sozinhos e fotos que somem da parede.
Escrito pelo ator Devon Graye (o Trickster de The Flash), o roteiro segue a família Harper até um certo ponto, quando acrescenta novos personagens e traz um conceito que não é muito comum no Brasil: o phrogging. Tudo é bem explicado, não é necessário estudo prévio para entender a trama. Filmes que têm reviravoltas forçadas costumam nos chamar de estúpidos, querendo que acreditemos no impossível para que as peças se encaixem. Não é o caso aqui. É tudo uma questão de ponto de vista.
No elenco, apesar de ter Tenney como o detetive, quem funciona como protagonista – ao menos na primeira parte – é a esposa dele, vivida por Helen Hunt (acima). A atriz oscarizada, vista recentemente em O Recepcionista (The Night Clerk, 2020), parece ter cedido às pressões que artistas sofrem quando chegam a uma certa idade. O rosto, muito mexido, não lembra tanto a Jaime de Louco Por Você (Mad About You), mas ela continua afiada. Há ainda Judah Lewis (de A Babá, 2017 e 2020), Owen Teague (de The Stand) e uma ponta não creditada de Sam Trammell (de True Blood).
O diretor Adam Randall parece gostar de experimentar, fazendo Cinema com novas tecnologias e usando bem um subgênero que já estava exaurido: o das found footage, tão popular depois de A Bruxa de Blair (The Blair Witch Project, 1999). Ele consegue um resultado bem mais satisfatório que os colegas Shari Springer Berman e Robert Pulcini, sempre lembrados por Anti-herói Americano (American Splendor, 2003). Vozes e Vultos nunca passa do morno, e naufraga no final, quando cruza todas as linhas do verossímil.
Lançado diretamente na Netflix, o filme adapta o livro All Things Cease to Appear, de Elizabeth Brundage, e nos apresenta ao casal Claire. Catherine (Amanda Seyfried, de Mank, 2020) é uma restauradora de arte que tem o emprego de seus sonhos em Nova York. Ela concorda em abandonar tudo e se mudar para o interior do estado quando o marido, George (James Norton, de Adoráveis Mulheres, 2019), é convidado para ser professor de arte numa universidade.
Lá, um velho clichê ataca: eles compram uma casa antiga e enorme que guarda muitos segredos. Na verdade, quem guarda os segredos é George, que sabe de tudo e receia que a esposa ficaria perturbada com a verdade. A filha pequena começa a ver coisas, o que logo acontece com Catherine também. George vai tendo cada vez mais um comportamento canalha e o que era morno esfria de vez. Os atores fazem bem o que lhes cabe, mas é o roteiro que não ajuda. Berman e Pulcini são criativos na direção, mas não conseguem boas saídas para a história.
Além dos competentes Seyfried e Norton, o elenco guarda outras surpresas. Dois grandes talentos vistos recentemente em séries dão as caras: Rhea Seehorn (de Better Call Saul) e Natalia Dyer (de Stranger Things). E há dois veteranos a quem não sobra muito o que fazer: Karen Allen, a Marion da franquia de Indiana Jones, e F. Murray Abraham (de Homeland). Apesar de tantos bons nomes envolvidos, Vozes e Vultos nunca consegue empolgar e só serve para fazer número entre as opções do streaming.