Favorito ao Oscar de Melhor Filme Internacional, o dinamarquês Druk – Mais Uma Rodada (2020) ainda rendeu uma indicação a seu diretor, o festejado Thomas Vinterberg (de A Caça, 2012). Contando com o ótimo Mads Mikkelsen no papel principal, o longa não foge do lugar comum e do moralismo trazendo a história de quatro amigos professores secundaristas que iniciam um experimento pseudocientífico baseado na manutenção de moderada embriaguez para melhoria geral da qualidade de vida.
Ainda que pareça absurda desde seu ponto de partida, ou como subterfugio para filmes clichês sobre aproveitar a vida ao máximo, a premissa está baseada no trabalho do psiquiatra norueguês Finn Skårderud. Segundo a teoria dele, o ser humano tem um teor alcoólico no sangue 0,05% abaixo do ideal. O “ajuste” desse teor nos possibilitaria abrir nossas mentes para o mundo ao nosso redor, diminuindo nossa inibição e aumentando nossa criatividade, de um modo que mais nada possa ter o mesmo resultado.
Encorajados por essa teoria, Martin (Mikkelsen, de Rogue One, 2016) e seus três amigos, Tommy (Thomas Bo Larsen), Peter (Lars Ranthe) e Nikolaj (Magnus Millang), embarcam nessa experimentação como um remédio para o tédio de suas vidas. Cada um dos quatro personagens está vivenciando (em graus variados) uma crise de meia-idade, insatisfeitos com a apatia e falta de significado de suas vidas, sendo Martin o mais afetado por essas questões.
Martin inicia a trama visivelmente à beira de um colapso. Sua carreira, seu casamento e a convivência com os filhos seguem um rumo que incomoda o personagem. Sem forças, ele não reage à realidade. A estrela de Hannibal vai bem no filme com um personagem cativante que não precisa de abrir a boca para falar. Sua principal qualidade são suas expressões faciais, bastante exploradas.
Os professores estabelecem regras iniciais para o experimento. Só podem beber durante o horário de trabalho e devem parar de beber até às 20h, ainda que estas regras durem pouco tempo. Após iniciar a experimentação, os quatro personagens começam a registrar, ao modo de um diário “científico”, as taxas de álcool ingeridas por cada um deles e os benefícios que isso traz para suas vidas.
O experimento inicial tira os personagens de suas rotinas e de seu conformismo com o seu dia a dia, levando-os a uma rápida euforia com os resultados. No entanto, essa parte inicial do filme é mostrada muitas vezes de maneira excessivamente caricata para um filme que busca ser levado a sério. Logo nas primeiras tomadas após o início do experimento, em uma cena na sala de aula de Martin, ele faz com que seus alunos se engajem de maneira que eles nunca haviam visto. Tudo por causa da bebida.
Em sua versão mais relaxada e autoconfiante, o professor usa perguntas despretensiosas sobre as relações pessoais dos alunos com o álcool, mescladas com descrições de personagens históricos que foram bem-sucedidos apesar do excessivo consumo de bebidas, e traz um ar ainda mais caricato para o filme.
Este é apenas um dos pontos onde o filme erra (e muito) no uso do mote “secundário” do consumo de álcool. Cenas de visível e exagerada embriaguez pelos personagens são apresentadas aos expectadores, sempre numa tentativa de trazer algum tom de humor (questionável) para o filme. Após uma sucessão de eventos nessa linha, e de mostrar o retorno de algum brilho à vida dos personagens, o filme resolve mostrar uma segunda versão do experimento inicial.
Nessa segunda fase, o quarteto começa a mudar os termos iniciais para um estudo da individualidade de consumo, visando teores mais extremos. Neste momento, o filme, ainda que apresente cenas que remetem a filmes juvenis de bebedeira, acena ao drama. Ainda que existam alguns momentos um pouco mais divertidos, a relação com o álcool e alguns clichês relacionados ao tema incomodam.
Ainda que, para muitos, o filme seja muito mais sobre as necessidades de retomar os momentos mais vibrantes da vida dos personagens, e eles se sentirem vivos, o pano de fundo do consumo não funciona nada bem. Em alguns momentos, o filme se perde num labirinto entre ser uma espécie de versão de meia idade da franquia Se Beber Não Case (The Hangover) ou uma tentativa de trazer para as telas o drama do tédio da classe média na Dinamarca.
É preciso dizer que essa concatenação não funciona bem. O filme irá provavelmente provocar emoções diferentes em cada um de seus espectadores, possivelmente ligadas a alguma individualidade de moral etílica. O desenvolvimento do personagem de Mikkelsen, o menos caricato deles, não consegue segurar o filme.
O sommelier ataca novamente
Esta é a segunda vez que apareço no Pipoqueiro com uma crítica (leia a primeira aqui), e o intuito é sempre associar Cinema com gastronomia e sugestões de boas bebidas, que nos transportem para o universo das telas.
Quando vi que o filme tinha como pano de fundo o consumo de bebidas, imaginei que seria um prato cheio para metalinguagem neste sentido, mas saí dele com a impressão que eu só poderia recomendar nesta critica apenas uma coisa: o consumo moderado e consciente de bebidas. Beba menos, beba de maneira moderada, beba melhor.