Zack Snyder apresenta sua versão da Liga da Justiça

Em novembro de 2017, tivemos o lançamento de Liga da Justiça (Justice League) nos cinemas e o início de um longo imbróglio. Zack Snyder seria o diretor do longa, dando sequência ao universo que estava criando com O Homem de Aço (The Man of Steel, 2013) e Batman Vs. Superman (2016). Um problema familiar sério o afastou do projeto e Joss Whedon, pouco prestigiado na Marvel, acabou assumindo a cadeira. Um resultado duvidoso iniciou uma campanha fervorosa e curiosa: os fãs de quadrinhos queriam ver a versão de Snyder, aquela que não chegou a se concretizar.

Por um lado, pode-se dizer que foi criada uma pressão para que a Warner permitisse a Snyder lançar o seu próprio corte, o tal Snyder Cut. Por outro, os produtores perceberam que havia demanda e eles poderiam ganhar mais dinheiro sendo que a maior parte das filmagens já estava pronta. Algumas cenas novas foram gravadas, mais uns efeitos especiais e uma montagem totalmente independente da vista anteriormente. Outra trilha foi encomendada a Junkie XL, descartando a do eficiente Danny Elfman, e o resultado ficou mais poderoso. A trilha sonora da Mulher-Maravilha continua bem marcante nas cenas em que ela aparece.

A primeira conclusão óbvia é que, com quatro horas de duração, fica bem mais fácil desenvolver melhor os personagens. O longa é dividido em capítulos, o que reforça sua cara de minissérie e torna mais fácil uma ida ao banheiro. Batman parece ser o único a ficar na mesma, não ganhando uns minutinhos adicionais de palco – porque já os tinha. A história do Superman é melhor desenvolvida, com maior participação tanto da mãe, Martha, quanto da Lois Lane. A luta das amazonas contra o Lobo da Estepe é muito mais detalhada, mas Diana também fica na mesma.

O Ciborgue ganha uma importância muito superior e sua história é contada com maior riqueza, o que por outro lado o enfraquece: é mais um com trauma paterno, numa eterna repetição de padrões. Ele, que é sempre muito discreto, de moletom e cabeça baixa, chega para se encontrar com Diana no meio da rua causando, o que é bem forçado.

O Flash, que parecia ser gay, agora tem um interesse amoroso feminino, evitando qualquer inovação que fosse irritar os fãs xiitas. A garota é apenas salva de um acidente, mas há muita troca de olhares e sabemos que se trata de Iris West (Kiersey Clemons), sua futura paixão em um vindouro filme solo. Com os poderes que tem, Barry deixar o pai na cadeia é quase como o Clark ter deixado o pai sumir num tornado: ridículo.

O encontro de Diana e Bruce Wayne deveria ser mais caloroso, já que os dois certamente eram muito solitários e são almas próximas. Um toque de uma mão na outra fica até meio constrangedor, indicando que algo poderia surgir ali. Isso se ambos não fossem extremamente problemáticos nessa área. Aquaman continua pouco desenvolvido, já que seu filme solo só viria no ano seguinte a esses acontecimentos. Se tira a camisa sempre que vai entrar no mar, ele precisa de um Alfred só para ele, para catar as camisas, ou uma hora não vai ter mais nenhuma. E quebrar a garrafa de whisky ao ir pro mar continua sendo excesso de estilo.

A representatividade feminina segue forte, com a Mulher-Maravilha dizendo a uma garotinha que ela pode ser o que quiser quando crescer. O visual do Lobo da Estepe ficou bem mais arrojado, com melhores efeitos, e ele ganhou mais destaque. Lobo diz que não há Lanternas ou kryptonianos para defender o mundo, ou seja: nada de Supergirl, que está na TV, e nada de Hal Jordan, já que o filme do Lanterna Verde foi um fracasso. Mas é possível ver um verdinho sendo morto numa batalha.

A semelhança de Darkseid com Thanos (da Marvel) é inevitável. Alfred, inclusive, trabalha numa manopla que usa material kryptoniano, o que lembra aquela luva do Thanos com as pedras. Não deixa de ser interessante finalmente conhecer Darkseid (abaixo), um personagem tão importante nos quadrinhos que foi prometido por muito tempo e acabou não aparecendo na versão de 2017. E fique de olho que outro velho conhecido dos iniciados vai aparecer.

Snyder parece mais interessado em produzir pôsteres que em dirigir um filme. Seus maneirismos são bem cansativos: os closes nas expressões, as cenas em câmera lenta, os golpes que demoram uma eternidade para acontecerem, diálogos excessivamente expositivos. As amazonas são a versão feminina dos 300 de Esparta (do longa de 2006), repetindo a tara de Snyder de mostrar abdomens trincados e físicos perfeitos. Zeus é a mistura de Leônidas com Thor.

Pontuados os vários problemas, é importante ressaltar que este Liga da Justiça é bem mais satisfatório que o anterior. Whedon, que ainda foi denunciado como abusador psicológico, vai custar a conseguir outro grande projeto. Já Snyder sai ileso desse circo, atingindo a expectativa dos fãs que queriam conferir a visão dele. Com uma série de zumbis engatilhada na Netflix, ele pode não voltar ao Universo Cinematográfico da DC. Sua falta não será sentida. Seus filmes continuam não honrando a essência dos heróis, tornando opções bem mais espertas nomes como os de Patty Jenkins, James Wan ou de alguém novo.

Snyder finalmente conseguiu lançar sua versão de Liga da Justiça

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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