Netflix recapitula 2020 em falso documentário

É impressionante que, entrando em 2021, exista a necessidade de se apontar alguns óbvios. Como a importância de tomar as vacinas necessárias, o fato de existir racismo em todo lugar e a forma como as redes sociais manipulam seus usuários. Para ajudar a reforçar esses pontos, a Netflix lança o falso documentário 2020 Nunca Mais (Death to 2020, 2020), uma suposta retrospectiva cômica desse ano maldito que finalmente acabou.

Assinada pelo criador da série Black Mirror, Charlie Brooker, com a colega produtora Annabel Jones, a comédia conta com vários redatores para fazer piada com situações aparentemente delicadas, categoria que inclui todas as desgraças pelas quais o mundo passou recentemente. Por incrível que pareça, o nível do texto nunca baixa, não há nada apelativo. O problema é que dificilmente é engraçado.

Apesar de se propor a cobrir o ano todo de acontecimentos, a obra foca boa parte de seus 70 minutos em dois assuntos principais: a pandemia de Covid-19 e as eleições presidenciais norte-americanas. Outros são mostrados mais rapidamente, como o assassinato de George Floyd e o crescimento de movimentos fascistas, a alienação dos aplicativos e os incêndios na Austrália. Tudo sob um ponto de vista mais americano/britânico, mas o presidente brasileiro não deixa de aparecer em uns dois momentos constrangedores.

A falta de graça e as explicações delongadas ficam bem aparentes. Brooker e Jones (acima) conseguiram resultados superiores na outra série que produzem, Screenwipe. Mesmo assim, eles escolhem alguns personagens bem marcantes cujos estereótipos podem ser identificados em várias culturas. Não é difícil encontrar, no Brasil, um jovem antenado como o produtor de conteúdo (entre outras ocupações moderninhas) vivido por Joe Keery (de Stranger Things) ou o historiador que se acha dono da História de Hugh Grant (de The Undoing, ainda mais envelhecido).

Uma personagem muito interessante é a que Cristin Milioti (de Palm Springs, 2020) vive. Uma dona de casa boazinha, que faz tudo pela família, se acha bem informada e tem certeza de que não é racista – ela tem razão em todas as suspeitas que levanta. E não se cansa de passar vergonha. A típica “cidadã de bem” que mora ao lado da sua casa, que você encontra no supermercado ou que é mãe do coleguinha do futebol do seu filho.

Com muita gente boa no elenco, que inclui Samuel L. Jackson (o Nick Fury da Marvel), Lisa Kudrow (de Friends), Leslie Jones (de Caça-Fantasmas, 2016) e até Tracey Ullman como a Rainha da Inglaterra, 2020 Nunca Mais ainda conta com uma inspirada narração de Laurence Fishburne (de A Mula, 2018). Depoimentos certeiros e bem interpretados tentam compensar a falta de humor. Mas o principal problema aqui é claro: quem precisa ver as críticas feitas e os absurdos comentados está ocupado com a cabeça enfiada num buraco, acreditando em qualquer conspiração que aparece na internet.

Um ótimo elenco, isso é fato!

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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Uma resposta para Netflix recapitula 2020 em falso documentário

  1. Max disse:

    O filme é uma elaborada obra de sarcasmo, cheia de referências do contexto moderno e histórico. Alusivo a situações vividas em obras literárias e filmes sao elementos que inflam o filme, conectando o tempo em que vivemos com outras realidades. O humor quando mirado superficialmente pode parecer entendiante, mas se focamos em o que há por detrás das ações e diálogos, seu enredo é bastante interessante e divertido.

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