Sherlock Holmes ganha uma irmã à sua altura

O mais famoso detetive da literatura mundial dispensa apresentações. Certamente, você já está pensando em Sherlock Holmes. Suas histórias são tão populares que é comum autores contemporâneos criarem em cima do que Conan Doyle escreveu, expandindo seu universo de aventuras. É isso que fez Nancy Springer, que inventou uma irmã mais nova para o personagem. Enola é igualmente brilhante, apesar de ainda adolescente, e seu primeiro longa acaba de chegar à Netflix.

O primeiro dos seis livros escritos por Springer serve de base para o roteiro de Jack Thorne (de Extraordinário, 2017), que corre para apresentar a garota e resolver os primeiros mistérios em duas horas. E a obra é o veículo ideal para Millie Bobby Brown, desvinculando a atriz da série que a revelou, Stranger Things, na qual vive a paranormal Eleven. Em diversos figurinos e visuais, ela mostra versatilidade e simpatia, nos fazendo realmente crer que Enola é bem inteligente e hábil. As quebras da quarta parede atingem o limite do engraçadinho, mas não chegam a cansar, transmitindo os pensamentos dela.

Chamado apenas Enola Holmes (2020), como que começando uma franquia, o filme nos leva aos arredores de Londres, numa enorme mansão onde vivem a garota e sua mãe, vivida por Helena Bonham Carter (de Oito Mulheres e Um Segredo, 2018). Longe de escolas tradicionais, Enola cresce lendo todo tipo de livro, revezando o estudo teórico com lutas e exercícios ao ar livre. Criada para não depender de homem algum, ela é produto do feminismo da mãe, extremamente envolvida na luta por direitos iguais entre os gêneros. O assunto é tocado apenas superficialmente, quando conveniente.

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Enola tem dois irmãos famosos, e sente o peso do sobrenome Holmes. Sherlock (o “Superman” Henry Cavill), o irmão do meio, é muito famoso por ser um exímio detetive. Como é mostrado mais jovem, ele ainda não é tão arrogante e seguro, e Cavill lhe dá um ar mais tímido. E isso se dá muito por causa da relação com o irmão mais velho e ligeiramente antipático, Mycroft (Sam Claflin, de Peaky Blinders e As Panteras, 2019), o primogênito, que acaba representando uma figura paterna. A relação entre os irmãos é bem interessante – mesmo que a diferença de idade entre os atores seja menor e, na verdade, o mais velho seja Cavill.

Pouco depois de conhecermos mãe e filha, a mãe some e o filme engata. Enola terá uma oportunidade de mostrar seus dotes investigativos tendo a maior motivação possível: encontrar a própria mãe. Para chacoalhar as coisas, ela acaba se envolvendo com um caso paralelo: um jovem nobre fugitivo (Louis Partridge, de Paddington 2, 2017). O filme perde um pouco do foco nesse ponto e resiste bravamente a se tornar uma comédia romântica bobinha, mas a ação segue louca pelas ruas de Londres.

No início, por ser protagonizada por uma adolescente, o filme parece que vai seguir por um caminho mais infantilizado. Rapidamente essa percepção é corrigida e acompanhamos uma personagem esperta, realista, que lembra de situações da sua infância para justificar habilidades mostradas (meio como em Quem Quer Ser um Milionário?, 2008). Enola honra o universo de Sherlock e, ao mesmo tempo, evoca uma aura meio Tom Sawyer, aquela coisa de aventura juvenil. A Londres da época é muito bem reconstituída e torna a obra mais atraente.

O elenco inglês segura muito bem Enola Holmes. Além dos já citados, todos adequados, é importante lembrar de Fiona Shaw (de Fleabag), grande veterana que segura bem um papel um pouco esquemático, mas ainda assim crível. Harry Bradbeer, diretor de séries muito elogiadas (como Fleabag e Killing Eve), consegue cobrir o material de forma dinâmica e costura um filme divertido, que consegue superar os problemas cronológicos e a falta de resolução da questão principal. Fica para os próximos!

A quebra da quarta parede chega perto de cansar

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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