Diretora segue Babadook com a vingança do rouxinol

por Marcelo Seabra

Tendo chamado bastante atenção com o terror metafórico de The Babadook (2014), o próximo projeto da diretora e roteirista Jennifer Kent era amplamente esperado. Mesmo tendo recebido prêmio do júri no Festival de Veneza, The Nightingale (2018) chegou caladinho por aqui e logo entrou na programação do Hulu, onde pode ser conferido. Pode, não, deve! Um suspense cuidadosamente construído, que desenvolve bem os personagens e as relações entre eles.

O nightingale, ou rouxinol, do título é a jovem Clare (Aisling Franciosi, de séries como Game of Thrones e I Know This Much Is True), que canta muito bem enquanto cuida de trabalhos domésticos. A irlandesa paga por um crime cometido, junto do esposo e do filho pequeno, numa colônia inglesa na Tasmânia. Esperando receberem “os papéis”, os documentos que lhes garantiria a liberdade, o casal sabe que já cumpriu sua pena, mas depende da boa vontade do oficial encarregado, Hawkins (Sam Claflin, de Peaky Blinders).

Os rumos pelos quais a história segue encaixam a obra no subgênero “filme de vingança”. No entanto, Kent aproveita sabiamente a oportunidade para ir muito mais longe, fazendo várias críticas simultâneas. A primeira, e mais óbvia, é mostrando a violência que as mulheres sofriam nas mãos dos homens que detinham relativo poder. A causa feminista sai na frente, sendo seguida de perto pela luta dos negros, tratados como seres inferiores que só serviriam para o trabalho pesado e eram facilmente descartados. O estreante Baykali Ganambarr faz uma das figuras mais interessantes da obra, o guia que tem uma dinâmica bem rica com Clare.

Temos ainda um retrato da brutalidade da presença dos ingleses na Austrália, onde a diretora nasceu. O imperialismo, hoje bem representado pelos Estados Unidos, tinha, na época, a Inglaterra como seu maior expoente. E, em último lugar, mas não menos importante, é muito interessante observarmos como o oprimido é capaz de oprimir outros sem pestanejar. Uma mulher, normalmente colocada como serviçal, humilha a colega frequentemente, desconhecendo totalmente termos como sororidade ou solidariedade. E a garota, vítima dos demais, é mais uma a tratar os aborígenes pelo depreciativo “garoto”.

Abordando um episódio importante da história de seu país, Kent realiza um filme longo, um pouco incômodo, com uma grande dose de violência, mas sempre bastante interessante. O elenco é afiado, liderado pela crível Franciosi, que consegue evocar toda a dor da personagem. Claflin é ótimo como um canalha, rodeia certos clichês sem derrapar, tendo um resultado muito melhor do que nas comédias românticas que insiste em fazer. O filme ainda é ajudado pela linda fotografia de Radek Ladczuk (também de Babadook), que produz alguns quadros espetaculares que não deixam nada a dever aos de Emmanuel Lubezki em O Regresso (The Revenant, 2015), longa com uma temática parecida.

A diretora levou seu elenco a Veneza

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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