Netflix escancara as dores de um divórcio

por Marcelo Seabra

Variando do artificialmente descolado ao retrato pungente do cotidiano, os roteiros de Noah Baumbach costumam se beneficiar das escolhas do diretor Noah Baumbach. Em sua lista de feitos, há até uma boa atuação de Adam Sandler (em Os Meyerowitz, 2017), o que nos leva a uma conclusão óbvia: se ele consegue um bom trabalho de um careteiro contumaz, do que seria capaz com um elenco competente? História de um Casamento (Marriage Story, 2019) é mais um longa que responde essa pergunta.

Querido no circuito independente, Baumbach não costuma ser criticado. Ele é geralmente tão incensado que qualquer adjetivo abaixo de genial pega mal para o crítico. Mas a verdade é que ele já realizou muita coisa mediana e até irritante, do correto Mistress America (2015) ao incipiente Frances Ha (2012). Mas, justiça seja feita, volta e meia aparece um A Lula e a Baleia (The Squid and the Whale, 2005) que equilibra a balança. O já citado Meyerowitz também joga nesse time, marcando o primeiro ponto da dobradinha Baumbach/Netflix.

Também bancado pelo serviço de streaming, História de um Casamento fica tematicamente próximo de A Lula e a Baleia. Tanto que deveria se chamar A História de um Divórcio. Acompanhamos o relacionamento de um casal, com seu filho pequeno, entre altos e baixos. Logo, eles descem o morro e uma disputa começa a se mostrar. O roteiro envolve toda a família e as consequências de cada decisão dos dois. O que faz a diferença é o trabalho dos dois atores principais, bem conduzidos pelo diretor, ou o filme teria sido apenas mais um “destaque da semana na TV”.

Scarlett Johansson (a Viúva Negra da Marvel) e Adam Driver (o novo Darth de Star Wars) demonstram uma ótima sintonia. Cada um é bastante competente em seus momentos de brilhar, mas é quando estão juntos que mostram ainda mais peso. Suas atuações se complementam, eles têm uma química rara e evitam estereótipos em suas composições. Nenhum dos personagens é perfeito ou infalível. Muito menos um canalha puro e simples. Vemos vários lados de cada um. Suas ações falam alto, e às vezes um aponta um defeito do outro. Acaba sendo uma representação bem possível de um casal que já teve seus dias de paz e companheirismo.

Outros nomes do elenco também merecem confetes. Apesar de estar praticamente se repetindo, tamanha é a proximidade de sua personagem com a Renata Klein de Big Little Lies, Laura Dern (acima) está ótima. Talvez, com uma carga extra de doçura que faltou à dondoca da série. Alan Alda (de Ponte dos Espiões, 2015) e Ray Liotta (de Os Bons Companheiros, 1990) completam a lista de advogados, todos muito bem em suas obrigações. Merritt Wever, que parece ser a onipresente do momento (da minissérie Inacreditável, 2019), também está lá, se virando bem com o pouco que lhe cabe.

Muitos que já passaram por situações familiares parecidas vão se identificar, às vezes ao ponto de doer. Talvez por isso o filme esteja arrancando tantos elogios e burburinho em premiações. Driver e Johansson merecem os elogios, e o diretor Baumbach conduz com suavidade um texto que poderia ficar piegas ou pesado em mãos menos hábeis. Filmes como esse fazem valer a pena pagar a mensalidade da Netflix. Pena que são tão raros!

Diretor e elenco entre as filmagens

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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