Netflix adapta mais Stephen King

por Marcelo Seabra

“Se você construir, ele virá”. Esse era o lema de Campo dos Sonhos (Field of Dreams, 1989), uma bela fábula sobre o perdão, sobre resolver pendências. Com algumas similaridades quanto ao tema, mas por um caminho bem diferente, temos uma novidade no gênero horror: Campo do Medo (In the Tall Grass, 2019). Por trás, há uma dupla que dispensa apresentações: o mestre Stephen King e seu filho, Joe Hill, que nunca precisou do sobrenome famoso para chamar atenção.

O conto foi publicado em 2012, em duas partes, e em 2015 o diretor e roteirista Vincenzo Natali manifestou o desejo de levar a história ao Cinema. Tanto ele insistiu que conseguiu um financiamento com a Netflix, que produziu duas boas adaptações recentes da obra de King: Jogo Perigoso (Gerald’s Game, 2017) e 1922 (2017). Famoso desde o lançamento de Cubo (Cube, 1997), Natali se interessa por essa atmosfera de tensão de personagens presos em uma realidade da qual eles não conseguem sair – o que também lembra seu Assombrada Pelo Passado (Haunter, 2013).

A trama, escrita por King e Hill, nos apresenta a um casal de irmãos (acima, Laysla de Oliveira) que viaja pelos Estados Unidos e, ao pararem perto de um campo de grama alta, ouvem um grito de socorro de uma criança. Ao entrarem no mato, começa o pesadelo. O lugar vira um labirinto do qual não há saída. Quando a criança aparece, a semelhança com Colheita Maldita (Children of the Corn, 1984) aumenta, recuperando outro recurso caro a King, que volta e meia envolve menores em suas histórias. Logo, um viés religioso entra no quadro e a situação piora.

Esteticamente, o filme já começa com cara de novela americana, o que incomoda bastante. À medida em que entramos junto com os personagens pela grama alta, outro incômodo surge: a expectativa constante de que algum vilão, ou algo mau, vá aparecer. Há bons momentos tensos que prendem o público. Mas a história parece um pouco esticada, trabalhada para passar da duração de curta-metragem. E essa expectativa acaba cansando.

Ajuda ter Patrick Wilson (o Ed Warren de Invocação do Mal) em cena. Mas, por incrível que pareça, a participação mais interessante é a de Will Buie Jr. (da série Acampados), um garoto extremamente expressivo que mantém uma certa dubiedade por toda a exibição. Os demais membros se revezam entre interpretações corretas e expressões exageradas, como o dublê de Jon Cryer (de Two and a Half Men) Avery Whitted. O elenco é pequeno e a trama os aproveita bem, dividindo de forma equilibrada o tempo em cena.

As idas e vindas do roteiro dão a entender que Natali quis ser mais esperto que os autores, inventando reviravoltas que terminam por não fazer sentido – e que não estavam no livro. Alguns elementos promissores são jogados na tela e logo desperdiçados. A falta de explicações ou, no mínimo, de coerência, pode deixar o público com a triste sensação de ter sido enganado. Ao contrário de Campo dos Sonhos, aqui nada vem porque nada é construído.

O garoto Will Buie Jr. é a melhor coisa do filme

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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