David Harbour é o novo Hellboy

por Marcelo Seabra

Muita gente fez cara feita automaticamente ao saber que outro filme de Hellboy seria feito, mas sem Guillermo del Toro à frente e com outra equipe. Afinal, ninguém mais faria o personagem em carne e osso de maneira tão perfeita como Ron Perlman e o diretor. Mas o projeto foi adiante e já está nos cinemas o novo Hellboy (2019), desconsiderando os longas iniciais (de 2004 e 2008). Agora, o público já pode fazer cara feia com conhecimento de causa.

Como nas revistas em quadrinhos sempre ocorre trocas na equipe criativa, de escritor e desenhista, não é estranho ver o personagem ligeiramente diferente do que estávamos acostumados. O Super-Homem, por exemplo, já teve várias encarnações, e Batman, Homem-Aranha… Por isso, não há problema algum em termos David Harbour (de Stranger Things) como Hellboy, numa versão uma pouco mais tosca, rude, algo que combina bem com a criatura. Harbour conseguiu sair ileso de uma tarefa que parecia ingrata: substituir Perlman.

Nem toda história em quadrinhos é um clássico a ser lembrado. Pelo contrário, a maior parte cumpre tabela e acaba ofuscada pelas grandes tramas de autores renomados. O roteiro do novo Hellboy é original, mas mistura alguns arcos e deixa essa impressão: poderia ter sido baseado em uma dessas edições que nunca chegariam ao Cinema, tamanha a sua falta de atrativos. Fazendo sua estreia num longa-metragem, o roteirista Andrew Cosby (da série Eureka) joga a celebridade da editora Dark Horse no meio de uma bagunça envolvendo clubes secretos, uma bruxa milenar e gigantes vingativos. Todos eles com zero carisma.

Outro que não acrescenta nada é o diretor. Tendo demonstrado talento no filme que o projetou, Abismo do Medo (The Descent, 2005), Neil Marshall parece apenas seguir o caminho de del Toro, longe do brilhantismo do colega mexicano. A direção segue no piloto automático e não nos proporciona nenhuma cena memorável, nada que indique uma grande preocupação na elaboração. Do primeiro filme para o segundo, del Toro criou todo um universo que rapidamente cai nas graças do público, que passa a torcer por todos aqueles seres estranhos. Nesse novo, Hellboy está mais sozinho e só interage com gente chata – pra dizer o mínimo.

Entre os destaques do novo elenco, Ian McShane (de Deuses Americanos) é a grande atração, calçando os sapatos que já foram do falecido John Hurt. Ambos têm presença e vozes muito parecidas, a diferença sendo a idade deles. McShane, por ser mais jovem, é mais ativo, mas o Professor fica prioritariamente nos bastidores. E a grande vilã é vivida por Milla Jovovich (da franquia Resident Evil), uma bruxa boboca que nunca mostra a que veio. Igualmente inexpressivo é o agente interpretado por Daniel Dae Kim (de Havaí 5.0), previsível até mandar parar. Quem consegue um resultado melhor é Sasha Lane (de Docinho da América, 2016), que confere vivacidade à sua Alice.

Por si só, esse novo Hellboy já não mereceria elogios. Nem a trilha sonora roqueira ajuda. Em comparação com as obras de del Toro, aí é que ele perde mesmo! A trilogia poderia ter sido finalizada antes do anti-herói seguir adiante, mas não foi possível. Então, fica essa sensação de algo incompleto, e Marshall pegou o bonde andando. Na queda, perdeu a alma do personagem e a capacidade de inovação dos primeiros episódios.

Harbour é um bom Hellboy, o problema não é ele

 

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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