por Marcelo Seabra
Cinebiografias musicais são um ótimo filão, as músicas e as histórias do biografado automaticamente levam público aos cinemas. Se for alguém do peso de um Elton John, então, a expectativa aumenta muito. Mas Rocketman (2019) vai muito além de simplesmente retratar uma vida. Ele trata de vários temas, preocupando-se mais com a fluidez das cenas do que com a cronologia. Longe de ser uma aula de História, é um espetáculo para olhos e ouvidos.
O jovem Reginald Dwight se mostrou um prodígio no piano desde cedo, e a descoberta de Elvis e do rock ‘n’ roll o roubou da música clássica. Integrando bandas de apoio, ele viu que precisaria se reinventar para ter sucesso. É quando o tímido Reggie se desfaz praticamente de sua personalidade e se transforma no espalhafatoso Elton John, que se tornaria o monstro da música que conhecemos hoje. Mas essa persona é apenas o que aparece para o público.
O maior atrativo de Rocketman é explorar a dualidade de Elton: em frente ao público ou às câmeras, ele faz valer o valor do ingresso, proporcionando um grande show; em sua intimidade, é ainda introvertido e em busca de amor. Crescendo com um pai frio e ausente e uma mãe frívola e pouco atenciosa, ele só tinha a avó para incentivá-lo. O fato de ser gay também não ajudou, dificultando suas relações românticas, o que levou a mãe a lhe dizer que ele nunca encontraria o amor.
Na descrição, o material pode parecer muito pesado. De fato, o roteiro de Lee Hall aborda assuntos sérios, como fez em dramas mais sisudos, como Cavalo de Guerra (2011), Victoria e Abdul (2017) e em sua estreia, Billy Elliot (2000). Mas o diretor Dexter Fletcher (de Voando Alto, 2015) tem uma forma bem lúdica de trazer tudo para a obra, tornando o resultado leve e divertido, entretenimento de primeira qualidade. As pessoas começam a cantar de repente, remontando aos antigos musicais, e isso funciona muito bem. E há as músicas ouvidas nos shows, além do que toca como trilha.
No papel principal, Taron Egerton se mostra um artista completo, se entregando de tal forma que o ator some e é possível ver Elton em vários momentos. Famoso pela franquia Kingsman, ele esteve no trabalho anterior de Fletcher, Voando Alto, e a relação entre eles deve envolver bastante confiança. O parceiro de composições, Bernie Taupin, é vivido por Jamie Bell, lembrado até hoje por Billy Elliot, apesar de ter muitos outros bons filmes. A dupla formada por Elton e Taupin (abaixo) é um dos pontos altos do longa, a relação entre eles é bem crível.
O elenco é completado por gente boa serviço. Os pais de Elton, interpretados por Bryce Dallas Howard (dos novos Jurassic Park) e Steven Mackintosh (de Wanderlust), são muito bons, mas o destaque é a ainda melhor Gemma Jones (a mãe de Bridget Jones), como a avó carinhosa e incentivadora. Tate Donovan (de Manchester à Beira-Mar, 2016) parece interpretar uma versão de Austin Powers, bem a cara dos anos 60, e Charlie Rowe (de Vanity Fair) e Stephen Graham (de Piratas do Caribe: A Vingança de Salazar, 2017) são os empresários iniciais, todos muito bem. E não podemos nos esquecer dos garotos que fazem Elton mais jovem, muito competentes.
Outra figura real retratada em Rocketman é John Reid, empresário e amante de Elton. Na pele de Richard Madden (o Rob Stark de Game of Thrones), ele é mostrado como alguém calculista que sabe exatamente como ganhar dinheiro em cima de seus clientes. Reid foi personagem recentemente também em Bohemian Rhapsody (2018), coincidentemente vivido por Aidan Gillen – também de GoT. A relação com Elton, por ser mais pessoal, é mostrada de forma mais abusiva, e Madden vai do charmoso ao inescrupuloso em segundos (ambos estão abaixo, nos extremos).
Reid não é a única ligação entre as duas cinebiografias. Fletcher assumiu o projeto do Queen após o afastamento de Bryan Singer e o finalizou, mas por exigência do sindicato ganhou crédito apenas como produtor. Em Bohemian, ouvimos as músicas em suas versões originais, diferente de Rocketman, que traz números elaborados cantados pelo próprio elenco. Além de ser mais inovador, o filme de Elton trata de frente as questões mais polêmicas, como a homossexualidade e os vícios de seu protagonista, além de não se preocupar em cobrir toda a cronologia do cantor – e não bagunçá-la. E Egerton procura viver um personagem inspirado em uma figura real, ao contrário de Rami Malek, que estudou os maneirismos de Freddie Mercury para imitá-lo à risca. Enquanto Malek se prende, Egerton voa.
Portanto, em uma comparação entre as duas obras, Rocketman ganha de lavada. A música de Elton é usada para ajudar a contar a história, e não o oposto. E ele é apresentado como o ser humano que é, com falhas, e não um mito irretocável, como no caso de Freddie. Se Malek ganhou o Oscar, Egerton merece no mínimo uma indicação. E, em categorias como figurino, maquiagem e som, seria apenas justo que o longa levasse. Mesmo que não leve, o filme já é vitorioso.
PS: Logo abaixo você encontra uma edição do Programa do Pipoqueiro inteiramente dedicada a Rocketman, com diversos comentários e músicas de Elton John.
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