por Marcelo Seabra
Procurando por amor, Debra Newell, divorciada e mãe de quatro, encontra pela internet um sujeito que parecia o pacote completo: 55 anos, médico, ligado à família, frequentador de uma igreja. Alguém bem-sucedido que viria para somar. “Por que não tentar e conhecê-lo?”, ela pensou. Depois de um primeiro encontro com uma conclusão desastrosa, ela acabou dando a ele outra chance e logo se envolveram de tal forma que não demoraram a se casar. O único problema nisso tudo é o fato de John Meehan ser um psicopata.
Quem não conhece o caso tem duas oportunidades de se inteirar, ambas distribuídas pela Netflix. Uma minissérie foi lançada nos Estados Unidos em novembro de 2018 e logo chegou a outros países, contando todos os detalhes do caso. Paralelamente, a rede NBC produziu um documentário para a TV sem romantizar nada, trazendo “a verdadeira história”. O interessante é perceber que as duas produções têm, entre seus realizadores, o jornal L.A. Times, que foi onde a história surgiu.
Em 2016, o premiado repórter Christopher Goffard tinha uma vaga ideia do que havia acontecido e procurou Debra. A partir daí, começou a juntar as peças, lançou as reportagens no jornal e acabou criando um podcast. Dividido em seis partes, o podcast teve mais de 10 milhões de downloads nas primeiras seis semanas de lançamento, tamanho o interesse que atraiu. Goffard foi consultor no documentário e na série, trazendo veracidade a ambos, mas a segunda toma leves liberdades dramáticas.
Estrelada por Connie Britton (de American Horror Story) e Eric Bana (de Rei Arthur, 2017), Dirty John: O Golpe do Amor (2018) constrói bem a personagem de Debra para na sequência introduzir John, daí em diante dividindo seu foco entre os dois. Bana está muito bem como o galante médico que se revela um predador viciado em remédios e mentiras. Mas quem rouba o show é Britton (abaixo, à esquerda), merecidamente indicada ao Globo de Ouro pelo trabalho. É agoniante acompanhar a jornada de Debra (abaixo, à direita), que busca basicamente o mesmo que todos nós: um companheiro, alguém para dividir suas alegrias e tristezas.
Mas Debra não foi a primeira vítima de John. Episódio após episódio, conhecemos o quadro completo, com direito a flashbacks para apresentar a família Meehan, além das outras mulheres que caíram na mesma armadilha. Algumas participações especiais, como Shea Whigham (de Vice, 2018) e Alan Ruck (o eterno Cameron de Curtindo a Vida Adoidado, 1986), são um adicional interessante, e temos ainda no elenco principal Juno Temple (de Roda Gigante, 2017) e Julia Garner (de Ozark), as duas fazendo um bom trabalho como as filhas mimadas de Debra.
Com quase 90 minutos, o documentário Dirty John, The Dirty Truth (2019) segue a mesma trilha, mas trazendo quem de fato viveu aquela experiência traumática. Alguns dos envolvidos optaram por não aparecerem, como a filha mais velha de Debra – na obra ficcional, ela teve até o nome alterado. Mas dá para entender bem o que houve. Só não é possível, em momento algum, saber o que se passa na cabeça de John. Ele emendava uma mentira na outra e, quando se sentia acuado, atacava.
Ver a verdadeira Debra enfrentando corajosamente as câmeras dá um aperto no peito. Ela mesma diz que se expõe dessa forma para dar forças a outras que podem estar passando por algo similar. Goffard (acima), criador das fontes das duas obras, aparece dando depoimentos, juntando as partes e preenchendo lacunas. E que figura antipática é Goffard! Com caras e bocas, como se fosse a atração principal, ele narra sua parte dos fatos de maneira bem blasé.
Ao compararmos as duas atrações, percebemos como foi fiel a criadora da ficção, Alexandra Cunningham (produtora de séries como Aquarius e Desperate Housewives). O fato de os oito episódios terem o mesmo diretor, Jeffrey Reiner (de The Affair e Fargo), mantém uma mesma linha por todo o andamento, com uma montagem ágil que vai e volta no tempo. Quem acompanha séries e gosta de manter o suspense deve conferir primeiro os episódios. Mas não deixa de ser interessante emendar com o documentário.