Filme faz justiça a Maria Madalena

por Marcelo Seabra

Em 2016, o Papa Francisco fundou um memorial em honra de Santa Maria Madalena, reconhecendo seus esforços como evangelizadora e como primeira testemunha da ressurreição de Cristo. Tinha fim aquela visão preconceituosa de que ela era uma prostituta, alguém que teria menor valor que os demais apóstolos, criada pelo Papa Gregório (540 – 604). Aos olhos de Hollywood, essa mudança faz com que ela mereça ter sua história contada, ou esclarecida.

Coube a Garth Davis, vindo do sucesso de Lion (2016), comandar Maria Madalena (Mary Magdalene, 2018), longa que acompanha toda a jornada de Jesus Cristo pelos olhos da jovem. Ele acaba também dando maior ênfase aos apóstolos, principalmente Pedro e Judas Iscariotes. Fugindo dessa onda de filmes que pregam, como A Cabana (The Shack, 2017), Uma Razão Para Recomeçar (New Life, 2017) ou mesmo O Vendedor de Sonhos (2016), a obra busca apenas contar uma história, mostrando o lado de Maria de Magdala.

No papel principal, Rooney Mara (também de Lion) faz o que sabe melhor: passa muito com o olhar, precisando falar pouco. Em determinado momento, parece que estamos assistindo a um de seus filmes independentes usuais, com a diferença da quantidade de areia em volta e da presença de Jesus (Joaquin Phoenix, de O Homem Irracional, 2015). Ambos têm atuações bem comedidas e parecem na mesma sintonia, o que torna crível o laço que vemos se formar. Um pouco apressado, sim, mas ainda assim crível.

É bem interessante acompanhar aquela história que já conhecemos, talvez a mais famosa do mundo, por outra ótica. Aqui, não é Jesus o protagonista, e podemos ver o que acontecia à volta dele. Alguns pontos podem levantar a fúria de religiosos, que não vão concordar com a visão do cineasta. Pedro (Chiwetel Ejiofor, de Doutor Estranho, 2016) é mostrado como alguém que prezava tanto a preferência de Jesus por ele que chega a ficar com ciúmes quando Maria se aproxima. Ejiofor nunca cai nas armadilhas fáceis, evitando exageros ou caras e bocas. Ele mantém sempre uma postura muito correta, mesmo visivelmente irritado.

Outro que tem destaque é Judas (Tahar Rahim, de O Segredo da Câmara Escura, 2016), mostrado como um discípulo mais esperançoso por grandes mudanças, pela chegada do Reino de Jesus. Sua trajetória é complexa e bem construída, o que nos leva a um final que, mesmo que bem conhecido, é trágico. Os demais apóstolos podem ser confundidos por quem não os conhece a fundo, já que não recebem tanta atenção na tela. Todos, no entanto, bem limpinhos, o que é de se estranhar tendo em vista o ano e o lugar.

Apesar de monótono em alguns momentos, Maria Madalena tem uma boa história e interpretações fortes, que devem ser o suficiente para manter o interesse do público. A reconstituição de época, dos mercados e cidadelas, é primorosa, e a fotografia nos permite entender melhor a geografia do lugar. A nota triste da produção é relacionada à trilha sonora: é a última assinada pelo competente islandês Jóhann Jóhannsson (de A Chegada, 2016).

Jesus e Judas, sob outra ótica

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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