por Marcelo Seabra
Uma história real que chegou aos cinemas vai chocar muita gente. Não é bom adiantar o que houve, já que os fatos não são bem conhecidos – ao menos, não no Brasil e hoje. E a verdade é que há vários bons motivos para conferir Eu, Tonya (I, Tonya, 2017), cinebiografia da patinadora Tonya Harding. O tom é de humor negro, mas há violência para valer, começando na própria casa da protagonista, onde ela passava o diabo com a mãe.
Tonya Maxene Harding, hoje Price, começou a treinar no gelo aos quatro anos, incentivada pela mãe, LaVona. O problema é que, se a garota fizesse algo errado, xingamentos seriam o mínimo. A mulher tacaria o que estivesse à mão, os castigos físicos eram frequentes. Tonya já disse em entrevistas que abusos de toda natureza eram a sua realidade. E as coisas não melhoraram quando ela se casou. Na esperança de se afastar da mãe, ela foi morar com Jeff Gillooly, e as agressões só mudaram de endereço.
Tendo até deixado a escola para se dedicar ao esporte, Tonya era reconhecida como uma boa atleta, mas dificilmente conseguia destaque nas competições. Talvez, o ranço dos juízes tivesse algo a ver com seus vestidos simples, jeito caipira ou a escolha de rocks sulistas como trilhas de suas apresentações. Finalmente, em 1989, ela conseguiu um título nacional e passou a ser vista como uma possível competidora em eventos de maior porte.
No filme, Tonya é vivida com muito empenho por Margot Robbie (a Arlequina do Esquadrão Suicida). A atriz mostra desenvoltura nos rinques de patinação, o que demonstra muita dedicação. E ela de fato atingiu um nível razoável, fazendo boa parte das cenas. E o trabalho detalhista de maquiagem ajuda bastante a compor a personagem. Mas Harding ficou famosa por inovar e por quebrar tabus, coisas que nem colegas experientes faziam. Por isso, houve o necessário trabalho de duas dublês e a mágica dos computadores resolveu os detalhes. No entanto, em alguns momentos, essa truncagem digital nos tira um pouco do filme, é gritante que algo está errado.
Se no gelo Robbie estava bem, é nas cenas mais intimistas que ela mostra porque tem sido indicada a tantos prêmios. Mesmo assim, a figura mais chamativa de Eu, Tonya, com certeza, é Allisson Janney (de A Garota no Trem, 2016), que sabe bem o limite entre o farsesco, ou até caricato, e o cruel real, que deve ser visto em tantos lares. Cheia de problemas psicológicos, LaVona desconta tudo na filha. Mas, ao mesmo tempo, ela trabalha muito para manter a pequena nas aulas de patinação, naquela dualidade que a vida constantemente provê.
Fechando o trio principal, temos Sebastian Stan (o Soldado Invernal da Marvel) como o marido, Gillooly, responsável por boa parte das desgraças que se abatem sobre a atleta. Ela, inclusive, afirma comicamente, em várias situações, que não é culpada pelas coisas que acontecem a si. De algumas, talvez não seja, e aí entra o sujeito. Uma das escolhas mais burras dele é envolver o amigo Shawn – um trabalho fantástico de Paul Walter Hauser (de Kingdom), que nos deixa pasmos com tamanha imbecilidade. Numa participação menor, Bobby Cannavale (de Vinyl) também merece crédito como um repórter que funciona como narrador.
Em seu projeto mais marcante, o diretor Craig Gillespie (da refilmagem de A Hora do Espanto) mostra que consegue fazer milagre com um orçamento restrito e que continua gostando de passar por um humor mais cínico, mas alternando com passagens dramáticas. Apesar de convencional, o roteiro de Steven Rogers (seria o próprio Capitão América?) consegue reunir os fatos mais importantes e situar o espectador, mesmo com alguns pulos temporais. Acostumado com um tom mais açucarado (como em P.S. Eu Te Amo, 2007), ele apresenta um outro lado, deixando o romantismo para lá.
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