por Marcelo Seabra
Por mais que sempre tentemos não criar expectativas sobre novos filmes, basta um trailer, ou uma campanha de marketing mais insistente, para surgir aquela ansiedade. Se o filme é bom, todos ficam satisfeitos e o problema está resolvido. Mas, se o filme não é bom, é aquela decepção – caso de A Torre Negra, aguardado ansiosamente por anos! Não necessariamente o pior do ano, mas um golpe nos espectadores.
Outros projetos parecem ser desenvolvidos na surdina, sem elementos que chamem muito a atenção. Ou, às vezes, são baseados em material não muito querido, do qual se espera pouco. E eles chegam arrebentando, crescendo na propaganda boca a boca e viram inesperados sucessos na temporada.
Abaixo, seguem as cinco maiores surpresas e decepções de 2017, todos com uma rápida explicação do porquê de estarem na lista. Para a crítica completa, clique no título.
Surpresas
Depois de três fracassos consecutivos, ninguém esperava muita coisa da DC. Curiosamente, a redenção vem com aquela que historicamente é considerada a personagem mais fraca – em termos comerciais – da chamada Trindade da DC. Mulher-Maravilha (Wonder Woman, 2017) é um filme que supera as expectativas e mostra que, apesar da resistência inicial de muitos, Gal Gadot é a melhor coisa surgida na WB desde que a produtora resolveu seguir os passos da Marvel e transferir seu universo dos quadrinhos para a tela grande. Além de toda a ação e efeitos visuais fantásticos, é a primeira vez que temos o amor e a esperança como presença forte, uma mudança muito feliz. Ao invés de um maníaco desiludido vestido de morcego ou de um alienígena com uma eterna sensação de não pertencimento, temos uma guerreira forte e otimista. Mulher-Maravilha é um filme cuja única mensagem política é que a guerra é um inferno e o ser humano não é tão bom quanto deveria ser.
Depois de 17 anos e oito filmes, Hugh Jackman decidiu que era hora de aposentar as costeletas e as garras de Wolverine, partindo para o último. Logan (2017) é o canto do cisne do ator na pele do mais famoso mutante da Marvel. Apesar de alguns furos de roteiro e situações resolvidas de maneira preguiçosa, é uma despedida muito digna. É uma surpresa ver uma trilogia que começou tão mal terminar tão bem, com uma história original que nos mostra um Logan que é ao mesmo tempo sentimental e selvagem. Este é de longe o melhor dos três filmes solo do personagem. Ao contrário do que faz Zack Snyder, que busca forçar em seus filmes de heróis o pessimismo do Batman de Christopher Nolan, James Mangold consegue entregar uma obra com esse tom naturalmente, com um realismo que prova que o tempo passa para todos. Os momentos mais leves logo são cortados, lembrando a Logan que a tragédia o persegue.
Com um conceito estapafúrdio, que mais parece uma ideia errada de um programa de comédia, o diretor e roteirista Nacho Vigalondo criou seu próprio Godzilla. E o mais surpreendente: Colossal (2016) deu certo e foi bem recebido nos dois festivais por onde passou, Toronto e Sundance. No papel principal, Anne Hathaway torna crível a situação de Gloria, com uma expressão perdida e um cabelo armado, despida de vaidade. Uma criatura enorme começa a atacar a capital da Coreia do Sul e Gloria logo descobre uma ligação com o monstro. A satisfação com a conclusão de Colossal vai do entendimento de cada um quanto às regras daquele universo. Uma vez criada, a regra deve ser seguida, o que permite ao espectador comprar a ideia.
Depois de dois filmes solo que parecem não engatar, foi uma grata surpresa ver uma aventura divertida que finalmente faz jus ao Deus do Trovão. Thor: Ragnarok (2017) pende mais para o clima de Guardiões da Galáxia, com muitas cores, situações engraçadas e até uma trilha sonora inspirada – no caso, o ótimo uso de Immigrant Song, do Led Zeppelin. Lidando bem com seus personagens coadjuvantes, com destaque para Loki e Hulk, o longa respeita seu protagonista e o leva além, conseguindo sustentar duas horas em suas costas. A mistura de ação e fantasia na dose certa agradou muita gente, e só agrega ter uma atriz do calibre de Cate Blanchett como a vilã.
Com a nova produção original Netflix, Stephen King vê sua quinta obra sendo adaptada esse ano. E, felizmente, com um ótimo resultado. 1922 (2017) vai assombrar os pesadelos de muita gente, com seus inúmeros ratos surgindo não se sabe de onde. O longa segue pelo terror psicológico, pelos fantasmas que só um homem culpado vê. Mérito do diretor Zak Hilditch, que adaptou ele mesmo a história e soube aproveitar os pontos mais importantes, sem esticar nada. Nada mirabolante, daquele tipo que dá a falsa impressão de ter sido feito muito facilmente. Thomas Jane mais uma vez mostra ser um ator subaproveitado pela indústria. A mudança física, para um sujeito que já foi galã e (anti)herói de quadrinhos, é impressionante. Ele vive um perfeito fazendeiro de poucas posses, acostumado a muito trabalho naquele longínquo ano de 1922 e propenso a matar a esposa para ficar com as terras dela.
Menções honrosas
Sabemos que houve um assalto. Algo deu errado. O xerife não está muito feliz, principalmente por saber que o irmão está envolvido. Este fiapo de trama resume uma nova produção distribuída pela Netflix: Shimmer Lake (2017). E há um diferencial muito bem utilizado: a história é contada de trás para frente, dia a dia. Pode parecer mais do mesmo, que outros fizeram isso antes, mas o recurso causa de fato um efeito interessante, trazendo mais suspense sem enganar o espectador.
Ao Cair da Noite (It Comes at Night, 2017) é uma ótima surpresa num gênero que passa longe do gol com tanta frequência que cria certa desconfiança. Com poucos minutos de projeção, percebemos que esse não será um terror habitual. A dedicação aos personagens é algo que não se vê sempre. Não conhecemos bem o histórico deles, mas logo entendemos as relações e o carinho entre eles. Não surpreenderia se o universo de Ao Cair da Noite desse origem a uma série interminável de filmes para a televisão: ele deixa esse gosto por mais.
LEGO Batman: O Filme (The LEGO Batman Movie, 2017) é um longa inteiro para brincar com o Homem-Morcego, indo mais fundo na paródia, estraçalhando a imagem sombria e subvertendo vários clichês relacionados ao herói. Os vilões são um show à parte. Ressuscitando gente como Rei Tut, são aproveitados personagens de várias mídias e épocas, e até alguns são inventados, compondo um grupo muito interessante. Will Arnett faz uma engraçada versão convencida e fodona do Batman, e os demais membros do elenco são tão brilhantes quanto.
Decepções
Uma obra de Stephen King permanecia intocada: a série de oito livros A Torre Negra, tida como inadaptável. Coube ao dinamarquês Nikolaj Arcel, com um roteiro assinado a oito mãos (inclusive as dele), cuidar da adaptação. Que, na verdade, não é exatamente uma adaptação, mas uma apropriação dos personagens em uma outra realidade. A Torre Negra (The Dark Tower, 2017) dá vida ao Pistoleiro e ao Homem de Preto, os icônicos antagonistas do mundo criado por King e desenvolvido por mais de 30 anos. Mas a luta entre Roland e Walter, que parece ser milenar como a do bem contra o mal, nunca foi resolvida sabe-se lá porquê. E o objetivo do vilão? Governar um mundo morto, cheio de monstros. Pior do que isso, só o conflito mequetrefe que surge para colocar em xeque a amizade do Pistoleiro com o garoto. Uma decepção atrás da outra.
Depois do sucesso do primeiro filme, em 2014, uma sequência de Kingsman já era certa. No elenco, todos que precisaram voltar aceitaram o convite. Só quem não voltou foi o frescor, já que a história deixou de ser novidade. Para tentar compensar essa baixa, a dupla pegou as situações e jogou nas alturas, perdendo timing, exaurindo o humor e extinguindo a paciência do público. Com inacreditáveis duas horas e vinte minutos de duração, 80 minutos a menos que a montagem preliminar, Kingsman 2 (2017) se estende demais em vários momentos, caindo em lugares-comuns vazios e sem graça.
Entrando para a longa lista de cineastas que ficaram extremamente insatisfeitos com um longa que comandaram, o sueco Tomas Alfredson nem esperou pelo lançamento para se manifestar. Ele afirma que quando assumiu a direção de Boneco de Neve (The Snowman, 2017), veio o sinal verde e tudo teve que ser corrido. Por causa disso, entre 10 e 15% do roteiro não foi filmado, resultando em uma colcha de retalhos faltando pedaços. O fracasso é uma pena se notarmos que se trata do diretor de Deixa Ela Entrar (2008) e O Espião que Sabia Demais (2011), dois filmes excepcionais. E a história é do festejado escritor Jo Nesbø, cujo livro deu origem a Headhunters (2011), além de contar com um elenco invejável.
Entrando na onda dos universos compartilhados, a Universal Pictures resolveu relançar seus monstros clássicos e uni-los, de alguma forma. Para dar o pontapé inicial, chega A Múmia (The Mummy, 2017). Devido à importância dessa primeira investida, que busca estabelecer um rumo e tem que fazer muito barulho nas bilheterias, o estúdio não deixou barato: escalou Tom Cruise e Russell Crowe. Os exageros, entre tiroteios, explosões e demais cataclismas, estão presentes o tempo todo e cansam. Quem espera por sustos ou clima de terror vai se desapontar. A ação genérica nos toma menos tempo do que parece, mas é tempo perdido.
É impressionante o número de obras que recontam as lendas de Arthur Pendragon e seus cavaleiros. Rei Arthur: A Lenda da Espada (King Arthur: Legend of the Sword, 2017) poderia se chamar Arthur Origens, ou A História Não Contada de Arthur. Ou seja: várias novidades numa história que já é conhecida, deturpando-a até que não consigamos mais reconhecer o protagonista. Parece que Guy Ritchie e seu parceiro habitual, o produtor e roteirista Lionel Wigram, partiram para uma nova tomada da história e acabaram repetindo o Sherlock Holmes da dupla, ressaltando os pontos negativos. Esse Rei Arthur é muito Sherlock Holmes para ter vida própria, e não tem identidade. É apenas uma fábula sobre um futuro rei que precisa cavar seu caminho em meio a desafios previsíveis e formulaicos.
Menções desonrosas
A Vigilante do Amanhã – Ghost in the Shell
A adaptação da animação Ghost in the Shell ganhou no Brasil o título A Vigilante do Amanhã (2017) e tem Scarlett Johansson à frente do elenco. Tentando ser diferente de sua fonte, o roteiro traz tudo escancarado de início e a história torna-se apenas uma perseguição, com alguns fatores sendo alterados ao longo da projeção. A jornada de autodescobrimento da Major fica em segundo plano e tudo cai num lugar comum previsível. Não há suspense, não há mistério.
Depois de receber críticas extremamente favoráveis nos Estados Unidos, Corra (Get Out, 2017) chegou ao Brasil bem badalado. É a primeira incursão do comediante Jordan Peele na direção de um longa, e ele atacou logo no terror, com um roteiro dele próprio. Os quase 200 milhões de dólares de arrecadação imediata dizem que a empreitada deu certo. Só não revelam que se trata de uma bobagem sem pé nem cabeça que bebe descaradamente em várias fontes. Peele copia descadaramente outras histórias famosas e o grande mistério é revelado de maneira bem didática, passando longe de qualquer suspense. E muito fica não dito. O roteiro parece jogar a responsabilidade da compreensão para o espectador, que tira a conclusão que quiser e, aí sim, poderá comprar a ideia.
Adaptando um livro de Dave Eggers, com roteiro do próprio e do diretor, James Ponsoldt, O Círculo (The Circle, 2017) parece querer apontar dedos e mostrar para onde estamos indo com o uso de tanta tecnologia e com cada vez menos privacidade. Mas a crítica é tão datada e superficial que lembra um longa de 1999, Ed TV, que fazia uma versão rudimentar do que O Círculo faz. Situações exageradas são enfileiradas apenas para conduzir a história e o longa trata o espectador como imbecil, escancarando e simplificando tudo.