por Marcelo Seabra
Depois de roubar a cena do Demolidor na segunda temporada da série dele, Frank Castle mostrou merecer uma só para ele. Já estão disponíveis os 13 episódios de Justiceiro (The Punisher, 2017), novo produto da parceria Marvel e Netflix, seguindo os quatro Defensores – solo e juntos. E o novato dá uma surra em alguns dos veteranos, com mais ação, conteúdo e até crítica social.
Em uma inevitável comparação, Justiceiro empata com Demolidor e Jessica Jones, deixando para trás Luke Cage e, mais longe um pouco, Punho de Ferro. Ah, e a reunião deles também. Conhecemos o personagem quando seu caminho cruza o de Matt Murdock, mas agora ele trilha sua própria jornada, sem nenhuma participação especial dos colegas poderosos. Essa foi uma exigência dos produtores, e é estranho ver problemas de grandes proporções em Nova York não atraírem nenhuma outra atenção. Nem a enfermeira Claire (Rosario Dawson) aparece.
Levando uma vida modesta, Castle (Jon Bernthal – acima) assumiu um nome falso, arrumou um emprego e segue no piloto automático, com os mesmos pesadelos de sempre. Com esposa e filhos mortos, ele custa a achar uma razão para continuar, até que uma razão o acha. O contato dele com Micro, nome de código de David Lieberman (Ebon Moss-Bachrach, de Girls), faz a série engrenar. No intuito de modernizar a história, Micro deixa de ser apenas uma fonte de informação e armas para se tornar uma espécie de Edward Snowden, alguém perseguido por saber demais. Mas o hacker não é a única novidade.
Velho conhecido dos fãs dos quadrinhos, Billy Russo (Ben Barnes, de Westworld) é um que aparece, mas tem sua história bastante alterada – como acontece com Micro. A agente Dinah Madani (Amber Rose Revah, de O Dublê do Diabo, 2011) é uma das novatas nesse universo, e se mostrará peça fundamental para a história. Ela não deixa nada a dever a outras mulheres da Marvel na TV, mantendo a tradição do estúdio de fortalecer o cinicamente chamado “sexo frágil”. Outra que dá as cartas é Marion James, a diretora da CIA vivida pela experiente Mary Elizabeth Mastrantonio (de Grimm). Ainda na cota de gente que anda meio sumida, temos C. Thomas Howell (de Ray Donovan) como o chefe de Madani.
Repetindo o papel, Bernthal se mostra bem à vontade. Ele tem reações normais frente às situações, o que nos leva a crer em Frank Castle. Depois de Dolph Lundgren (1989), Thomas Jane (2004) e Ray Stevenson (2008), ele já chega sentando-se na janela, tomando a roupa de caveira para ele. Cada um dos filmes desses intérpretes tem algo de bom, seja na caracterização, seja na ambientação. Bernthal consegue reunir isso, entregando possivelmente sua melhor interpretação, que se soma a um entendimento do personagem por parte dos envolvidos que vai muito além do que vimos antes.
O quadro geral, com várias tramas trançadas, não chega a ser complexo. Basicamente, vamos acompanhar Castle tentar entender exatamente o que houve nos bastidores para que chegassem a executar a família dele. Para isso, ele não poupará tiros, explosões e murros. A boa notícia é que a série não fica nisso. Os personagens são bem tratados, no sentido de terem um bom desenvolvimento – o que levou detratores a acusarem a atração de ser parada, ou de enrolar. Se a duração total poderia ser menor, o mesmo pode ser dito de qualquer outra produção Marvel/Netflix. Mas fazer uma maratona dos 13 episódios é perfeitamente possível, já que há suspense suficiente para prender o espectador.
Um assunto que ganha um bom espaço é a experiência de veteranos de guerra que voltam para casa. Que eles não são valorizados em sua terra natal é unânime, todos compartilham dessa sensação. Mas alguns são mais vitimados que outros, com sintomas severos de estresse pós-traumático. Um antigo amigo de Castle, Curtis Hoyle (Jason R. Moore, de O Aprendiz de Feiticeiro, 2010), organiza um grupo de apoio, onde podemos conhecer a história de alguns desses veteranos. E não falta um reacionário, membro do clube do rifle, para reforçar preconceitos e se aproveitar dos medos dos colegas.
Outro tópico que entra em discussão, mesmo que rapidamente, é o porte de armas por qualquer cidadão. Claro que político nenhum, nos Estados Unidos, defenderia a proibição total, já que ficaria sem votos. Mas o senador propõe que se aumente o controle e se restrinja a entrega da permissão. Essa discussão não poderia vir em melhor momento: o país passou por matanças e tiroteios, mais recentemente em Las Vegas e no Texas, o que acabou atrasando a estreia da série, em respeito aos mortos e feridos.
É interessante ver que Castle e Madani querem a mesma coisa, mas vão buscar de formas completamente diferentes. Enquanto Madani segue as regras e tem a mãe (a ótima Shohreh Aghdashloo, de Star Trek: Sem Fronteiras, 2016) para cutucá-la e tirá-la da zona de conforto, sacudindo suas verdades, Castle só tem o seu senso perturbado de ética. Seu comportamento é tão absurdo que um personagem da série o chama de psicopata, o que ele, claro, não gosta. Mas é fato! Castle é tão desequilibrado quanto suas vítimas. O que talvez seja diferente é a forma de canalizar essa violência.
Para uma produção com algo em torno de 11 horas de duração, muito teria que ser criado ou desenvolvido. Daí as diferenças para as histórias em quadrinhos, o que já era esperado. Se os roteiros acabam caindo em certas conveniências e furos temporais, é pouco o suficiente para passar direto. O criador, Steve Lightfoot (de Hannibal), conseguiu amarrar direitinho o mundo do anti-herói. E Castle ganha tanto tempo em cena quanto o Justiceiro. Pode parecer loucura fazer essa afirmação, já que um é o alter ego do outro. Mas é exatamente o que acontece: a pessoa por trás do colete de caveira é tão protagonista quanto o maníaco assassino.
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