por Marcelo Seabra
Nas Serras Gaúchas, um jovem vive as angústias comuns da vida enquanto imagina por onde anda o pai, que se foi. Essa é a trama de O Filme da Minha Vida (2017), novo trabalho de Selton Mello como diretor e roteirista. Mello foi escolhido a dedo pelo escritor Antonio Skármeta para cuidar da adaptação do livro, trazendo a trama para o Brasil, ao invés do Chile do autor. E o resultado é uma obra sensível, esteticamente perfeita e com alguns problemas de roteiro que se tornam maiores quando se pensa mais a respeito.
Seis anos após o elogiado O Palhaço (2011), Mello volta a escrever com seu colaborador, Marcelo Vindicato. E o tom é bem próximo: há uma nostalgia quase palpável. Se o longa anterior fazia uma homenagem ao circo e a seus integrantes, o alvo desse é o próprio Cinema. Mas o assunto é mais abrangente, englobando as relações familiares, os medos da adolescência e o início da vida adulta. E há ainda uma espécie de tributo sentimental ao veterano Rolando Boldrin, que não participava de um longa desde O Tronco, de 1999, e ganha aqui um papel bem simbólico.
Johnny Massaro (ao lado) e Bruna Linzmeyer repetem aqui a dupla de A Frente Fria que a Chuva Traz (2015) e mostram muita química juntos, o que é essencial para que o filme funcione. E, no meio dos dois, surge a belíssima Bia Arantes (de Real, 2017), que vai complicar as coisas um pouco. E, falando em complicado, o pai do protagonista simplesmente desaparece, caindo no mundo e deixando a mãe dele triste e isolada em casa. Os atores que vivem o casal maduro são nada menos que excepcionais: Vincent Cassel (de Jason Bourne, 2016) e Ondina Clais Castilho (que trabalhou com Mello em Sessão de Terapia).
Como Skármeta (que também escreveu O Carteiro e o Poeta) confiou plenamente no diretor, foi dada liberdade para mexer no texto e o caminho seguido pode não ter sido o mais interessante. A primeira coisa que causa estranheza é o narrador ser o próprio Mello, o que dá a entender ser uma versão mais velha de Tony. Mas, aí, Mello aparece como um outro personagem. Mesmo forçando um sotaque gaúcho, reconhecemos a voz do mineiro, o que não faz sentido. E as revelações que vão aparecendo são tão frágeis que, pensando um pouco, acha-se inconsistências que incomodam.
Dois fatores que chamam muito a atenção em O Filme da Minha Vida são a fotografia e a trilha sonora. O excelente Walter Carvalho (de Heleno, 2011) tira o melhor das serras e da cidadezinha onde a história foi filmada, montando um cenário bucólico ideal ao clima do longa. E os exemplares do cancioneiro popular brasileiro substituem os clássicos chilenos do livro, se tornando mais um aspecto divertido. Tantas ótimas características, juntas, quase superam as questões problemáticas do roteiro.