DC finalmente acerta a mão com a Mulher-Maravilha

por Rodrigo “Piolho” Monteiro e Marcelo Seabra

Finalmente, depois de três fracassos consecutivos, a DC ganha um novo fôlego na construção de seu universo cinematográfico. Curiosamente, com aquela que historicamente é considerada a personagem mais fraca – em termos comerciais – da chamada Trindade da DC. Mulher-Maravilha (Wonder Woman, 2017), que chega agora às telas brasileiras, é um filme que supera as expectativas e mostra que, apesar da resistência inicial de muitos, Gal Gadot é a melhor coisa surgida na WB desde que a produtora resolveu seguir os passos da Marvel e transferir seu universo dos quadrinhos para a tela grande.

Não era muito difícil fazer melhor que os filmes anteriores da DC. O Homem de Aço (Man of Steel, 2013), Batman vs Superman (2016) e Esquadrão Suicida (Suicide Squad, 2016) foram um desastre em termos de crítica – principalmente o terceiro. O boca a boca não teria ajudado em nada se já não se tratasse de personagens consagrados, em filmes recheados de celebridades. As bilheterias garantiram a continuidade do Universo DC nos cinemas, e hoje temos que comemorar essa sobrevida. E, além de toda a ação e efeitos visuais fantásticos, é a primeira vez que temos o amor e a esperança como presença forte, uma mudança muito feliz. Ao invés de um maníaco desiludido vestido de morcego ou de um alienígena com uma eterna sensação de não pertencimento, temos uma guerreira forte e otimista.

Há diversos acertos em Mulher-Maravilha e o primeiro deles está no fato de a essência da personagem ter sido respeitada – não seguindo a tendência sombria de Christopher Nolan. Como nos quadrinhos, a Diana do filme é a princesa da ilha de Themyscira (ou Temisciria, na tradução no cinema), filha da rainha Hipólita (Connie Nielsen, de 3 Dias Para Matar, 2014), que a moldou do barro e rogou que o deus supremo Zeus a desse vida. Pedido concedido, a bela Diana foi criada na ilha, um pequeno arquipélago escondido do mundo graças à magia de Zeus, onde apenas mulheres habitam. Assim como na criação de William Moulton Marston, ela é curiosa, ética, apaixonante e destemida.

Vindo de uma longa raça de guerreiras, Diana desde criança queria se tornar uma e, apesar do incentivo de Antíope (a ótima Robin Wright, de House of Cards), seu desejo seria repetidamente refreado por sua mãe. Na adolescência da princesa, Hipólita finalmente deixa que a filha seja treinada para ser uma guerreira Amazona. Ela estaria pronta caso, um dia, elas precisassem enfrentar a ameaça de Ares, o Deus da Guerra e filho de Zeus que foi banido após se rebelar contra a humanidade.

Diana segue treinando para um conflito que parece improvável até que um outro tipo de guerra chega às margens da Ilha de Themyscira. Com o avião avariado, o Capitão Steve Trevor (Chris Pine, o Capitão Kirk da trilogia Star Trek – acima) rompe o campo de força místico que protege a ilha e cai em sua costa. Junto com ele, vem a guerra: barcos alemães cujos soldados vão matar sem hesitação todas aquelas que aparecerem pela frente. Steve é um espião e está tentando chegar a Londres com informações que podem mudar o rumo do conflito. Estamos perto de 1918 e a Primeira Guerra Mundial não parece dar sinais de chegar a um final tão cedo, principalmente se depender da vontade do General Erich Ludendorff (Danny Huston, de Hitchcoch, 2013) e da Dra. Isabel Maru (Elena Anaya, de A Pele Que Habito, 2011), uma química que está a ponto de desenvolver uma arma que pode garantir a vitória alemã.

Ao tomar consciência do que acontece lá fora, Diana resolve que é hora de deixar seu isolamento e partir para o mundo dos homens, com o intuito de encontrar aquele que, em sua visão ingênua das coisas, é o responsável pela guerra: Ares. Ela acredita que, matando Ares, a guerra acabaria e a paz reinaria no mundo. Apesar de suas crenças e de ter crescido em certo isolamento, Diana não é boba e logo vai entender como esse mundo funciona. E a reconstituição da época é excepcional, o que facilita para o público comprar a ideia.

Um dos grandes acertos de Mulher-Maravilha é justamente o fato de sua história ter conseguido misturar elementos místicos com outros bastante reais de maneira bem orgânica. É bem interessante ver como Diana reage à guerra de verdade, bem diferente daquela presente em seus sonhos juvenis. É interessante a reação da personagem quando ela sai de sua ilha paradisíaca para a feia Londres da guerra, um lugar frio, nublado e parcialmente destruído. Outro acerto foi a história se passar durante um conflito mundial, de forma que foi possível mostrar não apenas o lado guerreiro, mas também o heroico de Diana, da pessoa que se preocupa não só em vencer o inimigo, mas também em poupar os inocentes do sofrimento, algo muito presente na Mulher-Maravilha dos quadrinhos. Mais um ponto para Gadot, que já tinha convencido como Diana em Batman Vs Superman e se reafirma aqui, passando com segurança toda a ternura e fúria presentes na personalidade de Diana Prince.

Ponto também para a diretora Patty Jenkins (de Monster: Desejo Assassino, 2003) e para o roteirista Allan Heinberg (de séries como Grey’s Anatomy e Scandals), que trazem a bem-vinda visão de uma mulher e de um profissional acostumado a escrever sob um viés feminino. A história foi concebida por ele, Jason Fuchs (de Peter Pan, 2015) e Zack Snyder, um dos produtores do filme. Podemos ver a influência de Snyder aqui e ali, especialmente nas cenas de lutas, onde há um certo abuso no uso da câmera lenta. Fora isso, Jenkins parece ter tido bastante liberdade para trabalhar. Do contrário, o sol não apareceria tanto quanto aparece. Também podemos destacar o fato de Jenkins ter tido a oportunidade de lançar algumas mensagens de cunho feminista, reforçando a importância da mulher para qualquer universo. Longe de ser um manifesto, Mulher-Maravilha é um filme cuja única mensagem política é que a guerra é um inferno e o ser humano não é tão bom quanto deveria ser.

Mulher-Maravilha tem muitos paralelos com Capitão América: O Primeiro Vingador (2011), não só pelo fato de ambas as histórias se passarem durante um conflito mundial. Isso, no entanto, não traz qualquer demérito ao filme. Muito pelo contrário, tendo em vista a importância do primeiro longa do Capitão para a construção do Universo Marvel no cinema. Ele crava o primeiro acerto da DC no cinema desde a trilogia de Batman de Nolan. O problema é que o próximo na lista é o longa da Liga da Justiça, mais um dirigido por Zack Snyder. O que faz as nossas esperanças afundarem um pouco.

Com alterações pontuais, o figurino dos quadrinhos foi mantido

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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