Hugh Jackman se despede de Wolverine em alta

por Marcelo Seabra e Rodrigo “Piolho” Monteiro

Depois de 17 anos e oito filmes, Hugh Jackman decidiu que era hora de aposentar as costeletas e as garras de Wolverine, partindo para o último. Logan (2017), que estreia essa semana, é o canto do cisne do ator na pele do mais famoso mutante da Marvel. Apesar de alguns furos de roteiro e situações resolvidas de maneira preguiçosa, é uma despedida muito digna. É uma surpresa ver uma trilogia que começou tão mal terminar tão bem, com uma história original que nos mostra um Logan que é ao mesmo tempo sentimental e selvagem. Este é de longe o melhor dos três filmes solo do personagem, além de adicionar elementos que podem – ou não – ser utilizados pela Fox em um futuro próximo.

Futuro, aliás, é a palavra-chave aqui, já que Logan mostra o personagem-título em 2029, com um visual bem diferente do que nos acostumamos a ver no cinema. Logan está velho, cansado e quer distância de confusão. Não só isso, mas aparentemente com o avanço da idade, o adamantium que tanto o protegeu parece estar exigindo bastante de seu fator de cura, de forma que esse seu poder já não funciona como antes. Ele ainda consegue resistir a um tiro de escopeta no peito e a múltiplos cortes que matariam uma pessoa comum, mas a recuperação demora mais do que nos acostumamos a ver no cinema e deixam cicatrizes, coisa que antes não acontecia. Ele sofre de uma tosse constante, manca devido a uma ferida antiga, está viciado em antibióticos, bebe mais do que o que seria recomendável e não expele as balas que o acertam com a facilidade de antes. O Wolverine de Logan é, enfim, o retrato da decadência do personagem.

Quando o longa começa, Logan abandonou seu passado heroico e ganha a vida como motorista de limusine, levando adolescentes para festas, noivas para casamentos e coisas do tipo. É um Logan que, em seus últimos anos, quer passar despercebido enquanto junta dinheiro suficiente para se aposentar ao lado de seu mentor, Charles Xavier (Patrick Stewart), que hoje vive recluso no México sendo cuidado pelo mutante Caliban (Stephen Merchant, de The Big Bang Theory). É curioso pensar que, dentre tantos alunos que viviam na Mansão Xavier e eram muito próximos do Professor, é logo o “estranho no ninho” Logan quem vai cuidar de Charles na velhice. Stewart foi envelhecido com uma ótima maquiagem, assim como o amigo Ian McKellen em Mr. Holmes (2015).

Não adianta Logan querer ficar longe da confusão, porque problemas têm o costume de encontrá-lo. Nesse caso, eles veem na forma de Gabriela (Elizabeth Rodriguez, de Orange is the New Black), uma enfermeira que tenta encontrar Logan a todo custo para que ele possa levá-la a um local seguro. Ela o conhece das revistas em quadrinhos que narram as aventuras dos X-Men. Com Gabriela, há uma garotinha, Laura (Dafne Keen), que é a chave do mistério. É óbvio que os perseguidores de Gabriela também estão atrás de Laura e, liderados por Pierce (Boyd Holbrook, de Narcos), não descansarão enquanto não encontrar e eliminar a menina. Holbrook faz um capanga bem eficiente, enquanto o chefe do bando é vivido pelo ótimo Richard E. Grant (de Jackie, 2016), que tem pouca oportunidade de aparecer.

O roteiro, escrito por Scott Frank (de Wolverine: Imortal, 2013) e James Mangold (de Johnny e June, 2005), é levemente (ênfase no “levemente”) baseado no arco de histórias Old Man Logan (O Velho Logan, por aqui – acima), lançado em 2008 e escrito por Mark Millar (que também escreveu a minissérie que foi base para Capitão América: Guerra Civil, 2016). Wolverine está em seus dias de decadência em um futuro distópico. Aqui, no entanto, Logan divide o foco com Laura, ou X-23, personagem criada por Chris Yost para a série animada X-Men: Evolution e que, a exemplo da Arlequina da DC, acabou migrando para os quadrinhos.

Laura, inclusive, é o destaque da película, com Keen (abaixo) fazendo sua estreia em longas de maneira bastante competente. Ela consegue vender bem a ideia da criança que passou boa parte de sua vida reclusa, sendo treinada para ser nada mais do que uma máquina de matar e que, pela primeira vez, não só está conhecendo o mundo, como sentimentos que não o ódio e a frieza. Sua interpretação transmite bem a ideia do animal selvagem que reage com violência a todo o momento em que se vê acuado, mas também da criança inocente que precisa que adultos lhe imponham limites, ainda que Logan não seja exatamente conhecido por ser um modelo de comportamento.

O terceiro longa solo de Wolverine se destaca também pelo fato de ser o primeiro a mostrar o personagem com a violência que lhe é característica nos quadrinhos, com membros decepados e mortes mais explícitas na tela. Isso, claro, é uma influência direta do sucesso de Deadpool (2016), que provou à Fox que um filme com uma censura mais alta pode ser, sim, lucrativo. No entanto, é saudável notar que Mangold e Frank trabalharam bem a liberdade proporcionada por essa censura mais alta. Logan tem uma boa dose de violência e sangue, mas ela é sempre justificada dentro do universo ficcional onde a história se desenvolve, não sendo simplesmente a violência pela violência, no intuito de chocar a audiência, a exemplo do que fazem cineastas como Eli Roth. Vale destacar também a trilha sonora, com algumas músicas muito bem escolhidas e que resumem bem o tom da película. Se no trailer tínhamos Johnny Cash com Hurt, no filme ele vem com The Man Comes Around. Mangold, que também dirige Logan e tem no currículo a cinebiografia de Cash, vem se mostrando um mercenário de respeito. Se não é exatamente um autor, um cineasta com estilo próprio, cumpre bem as tarefas que assume.

Ao contrário do que faz Zack Snyder, que busca forçar em seus filmes de heróis o pessimismo do Batman de Christopher Nolan, Mangold consegue entregar uma obra com esse tom naturalmente, com um realismo que prova que o tempo passa para todos. Os momentos mais leves logo são cortados, lembrando a Logan que a tragédia o persegue. Ele é um cavaleiro solitário e é muito acertada a referência a Os Brutos Também Amam (Shane, 1953). E é curioso observar que os demais filmes desse universo de mutantes são lembrados, com citações que vão de diálogos sobre os outros colegas a uma espada samurai discretamente colocada no quarto do protagonista. Cabe agora à Fox acertar na escolha de seu substituto, já que é certo que a despedida de Jackman do personagem não significa que Wolverine não retornará brevemente às telas de cinema.

A violência faz justiça ao personagem

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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