por Marcelo Seabra
Mais um filme a trazer os dizeres “baseado em uma história real”, Estrelas Além do Tempo é o título nacional de Hidden Figures (2016). Ambos se referem a suas protagonistas, mulheres fortes que ajudaram a quebrar barreiras quando os Estados Unidos eram declaradamente racistas, negros e brancos eram fisicamente separados até nos banheiros. Se até hoje mulheres e negros são preteridos em oportunidades de trabalho, o que dizer dos anos 60? E, mesmo tendo feitos tão importantes para a história, elas permaneciam desconhecidas, “figuras escondidas” que o filme veio revelar.
Baseado no livro homônimo da escritora Margot Lee Shetterly, o longa nos apresenta a três funcionárias da NASA que se cansaram de ouvir “É assim que as coisas são” e correram atrás de crescimento profissional, venceram o preconceito e foram decisivas na conquista do espaço pelos norte-americanos. É algo como Os Eleitos (The Right Stuff, 1983) encontra Selma (2014), uma mistura de luta pelos direitos humanos e corrida espacial. Por ser a dramatização de um fato, fica difícil saber até onde vai a verdade e o que seria exagero para fins cinematográficos. Mas é incontestável o que elas atingiram, e o longa mantém um clima leve, mesmo tratando de assuntos tão sérios.
Conhecemos Katherine Johnson (Taraji P. Henson, de Empire, acima no meio) logo na infância e entendemos que se trata de um gênio da matemática, uma criança bem diferenciada. Quando adulta, ela pega carona com duas amigas que trabalham no mesmo lugar: Dorothy Vaughan (Octavia Spencer, da Série: Divergente, acima à direita), uma líder nata que mostra vários talentos, como pra mecânica; e Mary Jackson (Janelle Monáe, de Moonlight, 2016, acima à esquerda), uma engenheira em potencial que vai ao tribunal pelo direito de estudar. As três acabam representando figuras diferentes, facilmente encontradas na sociedade: uma viúva mãe de três, uma jovem com marido revolucionário e uma mãezona com marido pacato, todas trabalhando o dia todo para sustentar suas casas e correndo atrás do reconhecimento devido.
Se emprego para mulheres já era difícil, cabendo apenas cargos de secretárias (caso da personagem de Kirsten Dunst, de Fargo), imagine para negras! As três se destacaram não apenas pela inteligência, mas pela obstinação. Em uma sala cheia de engenheiros tidos como os melhores disponíveis no mercado, Katherine se destaca, colocando no chinelo o encarregado (vivido por Jim Parsons, de The Big Bang Theory). Talvez para enfatizar a força feminina, o longa acabe mostrando os homens como um bando de jacus, que não conseguem sequer fazer um cálculo correto. E o personagem de Mahershala Ali (de Luke Cage, que parece ser onipresente) mostra algo interessante: os homens negros também tinham sua dose de preconceito, algo que parece incutido nas mentes desde tenra idade e deve ser combatido. Enquanto alguns celebravam o sucesso dos da mesma raça, outros se surpreendiam.
Por falar no problema com o retrato dos homens, temos o personagem de Kevin Costner (de 3 Dias para Matar, 2014, acima, em pé). Ele é descrito por todos como alguém de temperamento complicado, que não admite que se dirijam a ele e que seria muito reservado. O que vemos é ele em meio a todos os demais, sempre compreensivo, mesmo que rígido. O roteiro, escrito pelo diretor, Theodore Melfi (de Um Santo Vizinho, 2014), e Allison Schroeder (de Guidance), parece forçar a barra para reforçar as vitórias das protagonistas. O que, frente aos fatos, seria desnecessário. Em compensação, há um diálogo entre uma envelhecida Dunst e Spencer que é particularmente muito acertado.
Pesando-se os erros e acertos de Estrelas Além do Tempo, o saldo é positivo. E ele ganha ainda mais pontos por ser inspiração para tantas pessoas que têm ido aos cinemas para se certificarem que ninguém pode lhes dizer que algo é inalcançável. Pode parecer papo de auto-ajuda, mas o filme consegue passar uma mensagem positiva sem soar piegas. Ele mostra claramente como funcionava a segregação racial e um pouco do que foi feito para que isso acabasse. Ao menos, da forma escancarada como era. O mundo segue racista, mas os avanços são inegáveis.