Diretor acerta pela terceira vez com O Ano Mais Violento

por Marcelo Seabra

1981. De fato, um ano para os habitantes de Nova York esquecerem. Os assassinatos chegaram a níveis alarmantes, mais de três vezes que o habitual. Crimes de rua como roubos, agressões e estupros, inclusive associados a gangues e à Máfia, cresceram muito e colocaram a polícia em constante alerta, levando-os a criar as novas formas para reforçar a lei que deram frutos nos anos seguintes. Mas, enquanto nada era feito, 1981 continuou batendo recordes, como mostra o novo filme de J.C. Chandor, O Ano Mais Violento (A Most Violent Year, 2014). Trata-se de um conjunto de escolhas acertadas numa obra que, ao contrário do que o título indica, não é tão violenta.

Margin Call (2011) é uma tensa releitura do que pode ter acontecido nas quebras de grandes instituições financeiras. Até o Fim (All Is Lost, 2013) é um estudo de outro tipo de situação de risco, com um homem em um barco lutando contra o mar. Agora, em seu terceiro grande trabalho seguido, Chandor volta sua atenção para Nova York, símbolo do sonho americano que já foi desnudado por mestres como Sidney Lumet, Martin Scorsese, William Friedkin, Abel Ferrara, entre outros. É uma bela companhia para se estar, e o diretor não faz feio. Desde o início ambientando a história numa cidade bem real, com a ajuda da bela fotografia de Bradford Young (de Selma, 2014) e da fantástica Inner City Blues (Make Me Wanna Holler), canção de Marvin Gaye (também usada em Zodíaco, 2007), o diretor e roteirista nos apresenta Abel Morales, um homem aparentemente correto que luta contra as circunstâncias que parecem atirá-lo ao mal.

A referência mais clara parece ser a trilogia O Poderoso Chefão, com cenas e momentos que poderiam ter saído dos clássicos de Francis Coppola, como os assaltos em plena luz do dia. Mas Morales, apesar da semelhança física, representa a antítese de Michael Corleone, é alguém que começou sua vida profissional dirigindo caminhões similares aos que veio a ter no negócio de transporte de combustíveis. E que sempre relutou em se misturar com os demais de seu meio, formado por pessoas de moral duvidosa e até gângsteres. O competente Oscar Isaac (de Inside Llewyn Davis, 2013) mais uma vez mostra que tem tudo para ser um protagonista forte e convincente, fazendo um sujeito que tenta sempre ser admirado por seus empregados, treinando e dando dicas a um por um. Vaidoso, ele busca ser um modelo para os demais até na aparência, e demonstra também uma certa necessidade de aprovação dos colegas mais velhos. A disputa ainda é acirrada pela questão da etnia, pois ele é um latino em meio a ítalo-americanos e judeus.

No elenco principal, temos ainda dois outros grandes nomes. Aparecendo cada vez mais, com vários filmes lançados num período curto de tempo, Jessica Chastain (de Interestelar, 2014) vive a esposa de Abel. Anna é uma mulher forte, vinda de uma família da pesada que não pensa duas vezes antes de deixar claro que fará o necessário para proteger a família e suas posses. Mesmo que o marido não concorde. Além de linda, Chastain tem aquele brilho perigoso nos olhos que permite a ela até declamar uma ou outra fala mais bobinha sem comprometer a persona criada. E o discreto veterano Albert Brooks (de Drive, 2011 – acima) é o advogado dos Morales, o confiável conselheiro que sempre está por perto quando uma decisão deve ser tomada ou um contrato, redigido. Há ainda as interessantes presenças de David Oyelowo (de Selma, 2014) e Alessandro Nivola (de Trapaça, 2013), ambos homens ambiciosos, mas em lados opostos da lei. Ninguém, nesse filme, é apenas bom ou mau.

Filho de um experiente corretor do mercado financeiro, Chandor parecia em casa ao realizar Margin Call. Mas nem por isso ele ficaria em terreno seguro, demonstrando ter uma curiosidade sadia por outros universos. Com O Ano Mais Violento, ele pode estar discutindo muitas coisas, como as dificuldades de ser empresário, a criminalidade crescente dos grandes centros ou os riscos que alguém corre ao estar em um meio perigoso. Mas, acima de tudo, o interesse dele está na natureza humana. Pode um homem resistir a seu meio? Qual é o limite que este sujeito vai aturar antes de quebrar? Essas são algumas das perguntas que vão perdurar no público muito após a sessão.

Chandor levou sua equipe à premiere em Hollywood

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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