por Marcelo Seabra
A morte é uma das poucas certezas que temos na vida, mas a velhice pode assustar muito mais. Chegar ao fim da vida sem o domínio das faculdades mentais e físicas é de fato o grande pesadelo, e Alexander Payne acerta mais uma vez ao apresentar-nos a um personagem que já não é nenhum rapazinho. Nebraska (2013) é mais um ótimo trabalho do diretor e uma grande oportunidade para o veterano Bruce Dern mostrar sua competência. Sobram elogios até para o humorista Will Forte, que encara um papel dramático com muita naturalidade e só soma ao projeto.
Em As Confissões de Schimdt (About Schmidt, 2002), Payne entrou nesse universo da terceira idade com um sujeito que parecia sem rumo ao se aposentar e ficar viúvo. Agora, com menos humor, ele consegue ser mais contundente ao apresentar um idoso que se prende a uma fantasia para dar sentido ao fim da sua existência. Ele acredita ter ganhado um prêmio de um milhão de dólares de uma propaganda de uma editora e agora precisa ir a outro estado para recolher a bolada. Cansado de lutar contra, o filho decide ir junto e passar um tempo com o pai, mesmo que o passeio vá dar em nada. Sair da rotina já seria o suficiente.
Chegando a outra cidade, o filho (re)conhece amigos e parentes dos pais, com quem não tinham contato há tempos, e a notícia da celebridade ganhadora do milhão se espalha com o vento. Em produções mais bobas ou espetaculosas, cada descoberta seria um trauma, ou algo fantástico (como no dramalhão Álbum de Família, 2013), mas os reencontros de Woody (o pai), Kate (a mãe) e David (o filho) não representam nada de extraordinário. São apenas as pequenas experiências que nos fazem ser o que somos, construindo uma identidade pouquinho por pouquinho. Woody continua bebendo mais do que devia, e David percebe que é muito tarde para querer mudá-lo. Mágoas passadas não faltam, mas David opta por ser otimista e perdoar. Dessa forma, eles viajam juntos e temos um road movie em que até as paisagens se tornam personagens, tamanha é a poesia que o diretor de fotografia Phedon Papamichael (colaborador de Payne em Os Descendentes, 2011, e Sideways, 2004) extrai delas. O contraste do preto e branco torna tudo mais bonito, e com um quê de clássico imediato. A sensível e autêntica trilha de Mark Orton praticamente nos joga na trama, tamanha é a ambientação que proporciona. E o belo roteiro do estreante Bob Nelson é o primeiro que Payne só dirige, com apenas pequenas modificações suas.
Finalmente, em meio a tantos pontos positivos, temos três atores dando o melhor de si. Bruce Dern (visto recentemente em Django Livre, 2012) traz uma certa doçura a um personagem que à primeira vista não atrairia um pingo de simpatia. Um alcoólatra que nunca foi um bom pai ou marido e se deixava enganar por qualquer pretenso amigo. Ao contrário do que vimos em Amor (Amour, 2012), ele não trata a mulher com carinho, e ela sofre na companhia dele. Ao mesmo tempo, June Squibb (também de Schmidt) mostra nos detalhes que sua Kate, apesar de forte e reclamona, nutre grande amor pelo marido. E Will Forte, muito lembrado por comédias duvidosas e pelo eterno humorístico Saturday Night Live, faz algo similar ao que Adam Sandler fez em Embriagado de Amor (Punch-Drunk Love, 2002): controlou todos os seus impulsos, guardou as caretas e ouviu o diretor cegamente. Dessa forma, não ficou nada atrás do casal de veteranos, e os coadjuvantes completam um belo elenco.
Nebraska é uma dessas raridades que conseguem indicações a prêmios e são de fato boas, ao contrário de tantos que andam fazendo campanha loucamente e acabam lembrados, mesmo sem merecerem. O longa foi indicado a seis Oscars: Ator Principal (Dern), Atriz Coadjuvante (Squibb), Diretor de Fotografia (Papamichael), Roteiro Original (Nelson), Diretor (Payne) e Filme. Isso, além de cinco indicações nos Globos de Ouro, três no BAFTA, duas em Cannes (Dern levou), entre vários outros. Payne mostra, mais uma vez, que é um grande contador de histórias e se preocupa verdadeiramente com seus personagens, que passam a ser gente com quem devemos nos preocupar e para quem vamos inevitavelmente torcer. Mesmo que não sejam exatamente simpáticos.
Expoente da literatura de terror nacional, Raphael Montes já vendeu estimados 500 mil livros e…
Com apresentação de Jimmy Kimmel (abaixo), que exerce a função pela quarta vez, a 96ª…
por Alexandre Marini Marcelo Seabra me convidou para escrever um pouco sobre minha percepção a…
A partir do final da década de 70 e por todos os anos 80, houve…
Depois das 2h35min da primeira parte, chega aos cinemas essa semana Duna: Parte Dois (Dune:…
Conheça melhor alguns dos indicados ao Oscar 2024: Maestro (indicado a sete Oscars) Esforço gigantesco…
View Comments
Lindo filme esse. É uma pena que tenha sido lançado no ano de 12 Anos de Escravidão, Ela, Gravidade e Clube de Compras Dallas, porque Dern está perfeito no papel, assim como June Squib que é um misto de um ser odioso, mas amável e carismático, a fotografia é fantástica, mas os outros infelizmente ofuscaram Nebraska. E que final!