por Marcelo Seabra
Famoso como músico, o uruguaio Jorge Drexler resolveu atacar como ator e se mostra a melhor coisa de A Sorte em Suas Mãos (La Suerte en Tus Manos, 2012). A produção argentina finalmente chega ao Brasil e podemos conferir Drexler em sua primeira atuação, e já como protagonista. Claro que as coisas ficam mais fáceis quando se tem Valeria Bertuccelli e Norma Aleandro como colegas de elenco. Só o roteiro não ajuda muito, caindo no lugar comum e perdendo o tom que estabeleceu na primeira metade de projeção.
Drexler dá certa simpatia a Uriel, um sujeito que beira o detestável. Ele mente descaradamente até para os filhos, exibe uma simpatia pré-fabricada e se orgulha de, depois do divórcio, ser o terror da mulherada. Exatamente para ter mais tranquilidade em suas conquistas, ele procura um médico para fazer uma vasectomia. No mesmo dia do procedimento, numa dessas coincidências que só acontecem no Cinema, ele reencontra uma antiga namorada, a mais marcante de um extenso rol (Bertuccelli, de Clube da Lua, 2004). Outras coincidências depois e eles engatam uma nova tentativa de romance, mas o caráter de Uriel pode colocar tudo a perder.
É interessante o fato de o protagonista ser construído como um sujeito falho, que está sempre inventando verdades e se complicando para acobertá-las. É como se tivéssemos uma versão menos confiável do alter ego de Woody Allen falando espanhol – há inclusive uma referência visual a Allen. Apesar de tudo, o apego dele aos filhos é sincero, mesmo que os dispense sempre que julga necessário. A afeição a Gloria também parece ser honesta, mas o relacionamento começa fundado em mentiras e fica cada vez mais difícil consertar. Ainda mais quando a mesa de pôquer é uma grande tentação para Uriel.
Quando ganhou o Oscar de Melhor Canção Original com Al Otro Lado Del Río (de Diários de Motocicleta, 2004), Drexler apareceu para o mundo e seguiu compondo para diversas produções. Para estrear como ator, nada melhor que trabalhar com o experiente Daniel Burman, diretor de O Abraço Partido (2004) e Ninho Vazio (2008). Um dos nomes mais freqüentes do Novo Cinema Argentino, Burman diz se preocupar mais em contar uma boa história que com os recursos cinematográficos em si. Por isso, seus filmes não costumam ter grandes arroubos técnicos, mas os personagens são geralmente bem construídos – e muitas vezes têm traços autobiográficos.
Outra estreia em A Sorte em Suas Mãos é a do co-roteirista, Sergio Dubcovsky, irmão do produtor Diego Dubcovsky, sócio de Burman. Sergio consegue construir bem a premissa e os personagens, ao lado de Burman, mas eles se perdem ao definir o último ato. A presença de rabinos e de outras figuras ligadas à religião judaica não se justifica, nunca chegando a lugar algum. O mesmo pode se dizer da presença de Norma Aleandro (de O Filho da Noiva, 2001), que é uma coadjuvante de luxo invocada quando conveniente. O grande trunfo da produção é mesmo o casal de protagonistas, que consegue levar o público ao final sem se cansar.