por Marcelo Seabra
“Nossas vidas não são nossas. Do ventre ao túmulo, estamos ligados a todos. No passado e no presente. E cada crime e cada boa ação definem o nosso futuro”. Algo assim é dito por uma personagem em determinado ponto de A Viagem (Cloud Atlas, 2012) e basicamente define a ideia à qual o filme volta sempre: pessoas diferentes, em tempos diferentes, estão ligadas, tudo tem uma conseqüência em alguma época, para alguém. Os irmãos Wachowski se uniram a Tom Tykwer na adaptação do livro de David Mitchell e criaram uma obra ainda mais ambiciosa que sua famosa trilogia Matrix, torrando um orçamento na casa dos 100 milhões de dólares.
Mitchell criou seis histórias que parecem ser isoladas uma das outras, mas elas acabam se cruzando em diversos momentos. Indo de 1849 a um futuro apocalíptico em 2346, as histórias comprovam o quanto estamos ligados ao universo e aos outros seres humanos. Conceitos como verdade, crença, escolha, conseqüência e até carma são tratados nos seis núcleos, batendo nas mesmas teclas em situações diferentes. Para reforçar isso, os cineastas usaram os mesmos atores, tornando ainda mais óbvia a ideia de ciclo. Aí, já temos dois pontos negativos do longa: tentar deixar tudo o mais claro possível, já apostando que o público teria dificuldades para enxergar os temas principais; causar confusão e tirar a atenção do que importa, já que todos vão se pegar tentando adivinhar quem é quem na cena.
Como heróis das tramas, temos Jim Sturgess (de Um Dia, 2011), Ben Whishaw (de Skyfall, 2012), Halle Berry (de Noite de Ano Novo, 2011), Jim Broadbent (de A Dama de Ferro, 2011), Doona Bae (de O Hospedeiro, 2006) e Tom Hanks (de Larry Crowne, 2011). Eles têm que vencer basicamente o mesmo tipo de desafio, lutando contra antagonistas parecidos e contando com colaboradores similares. Na lista de coadjuvantes, temos Hugo Weaving, o ator-fetiche dos irmãos Wachowski mais lembrado como Agente Smith, Susan Sarandon (de A Negociação, 2012), Hugh Grant (de Cadê os Morgan?, 2009), Keith David (de Gamer, 2009) e James D’Arcy (de W.E. – O Romance do Século, 2011), para ficar nos mais famosos. Um grupo de uns 15 atores para viver em torno de 70 personagens, e haja maquiagem.
Tudo começa em 1849, quando o jovem advogado Adam Ewing (Sturgess – ao lado) é colocado de frente à questão da escravidão e deve tomar um lado; em 1936, Robert Frobisher (Whishaw) vai trabalhar como auxiliar de um músico veterano enquanto cria o que considera sua obra-prima; na San Francisco de 1973, uma jornalista (Halle) descobre uma conspiração sobre um reator nuclear e passa a correr risco de morte; em 2012, um editor precisa juntar fundos para pagar um escritor que agencia; pulando para 2144, uma garçonete clone (Doona) se vê no meio de uma rebelião contra o status quo; e, finalmente, chegamos a 2346 (aproximadamente), quando dois indivíduos de raças diferentes (Hanks e Halle) devem se unir para buscar a mútua sobrevivência.
Contando seis histórias, indo de forma competente de uma para a outra e voltando, fica até fácil ocupar 2h52min de projeção. Mas o filme é tão longo que não é difícil esquecer algo do início até que se chegue a uma resolução, além do fato de serem muitos personagens e muitas informações jogadas do espectador. Uma segunda sessão é praticamente obrigatória para que se conecte tudo, e ainda assim vai ter muita coisa escapando. Ao final, há um clipe e é possível conferir quem viveu qual personagem, já que o mesmo ator chega a viver seis deles. Hugo Weaving, o ator-fetiche dos irmãos Wachowski, fica sempre com vilões executores, digamos assim, enquanto Hugh Grant fica com os vilões mandantes. Tudo muito bem delimitado e tecnicamente perfeito. Os intérpretes chegam a trocar de raça e gênero, reforçando mais uma vez que não há nada que diferencie os seres humanos, estamos todos no mesmo jogo.
Na divisão de trabalho, os Wachowski ficaram com os segmentos mais fantasiosos, o passado mais distante e os dois do futuro, enquanto Tykwer ficou com os mais convencionais, o atual entre eles. Dessa forma, os irmãos Lana e Andy conseguiram imprimir suas marcas, inclusive levantando questões filosóficas que vão assombrar uns e outros por dias após a sessão. Tykwer, mais lembrado por Corra, Lola, Corra (Lola Rennt, 1998), já conduziu com êxito a adaptação de um livro considerado “infilmável”, Perfume – A História de Um Assassino (Perfume: The Story of a Murderer, 2006), e deve ter sido uma ótima ajuda, mas o estilo que prevalece não é o dele. O problema é que, com tantos personagens e tanto estilo juntos, falta um coração ao filme, que parece resultar em algo frio, estéril. Entre a crítica, A Viagem vem atingindo ambos os extremos. Só falta motivar mais gente a assisti-lo.