por Marcelo Seabra
Fazer um filme sobre uma figura pública é sempre complicado. Muita gente pode ficar chateada, há muita vaidade envolvida. Mas esse nem é o principal problema: dependendo do biografado, muito ainda pode ser um mistério. Em J. Edgar (2011), o diretor Clint Eastwood tenta contar uma história nebulosa e junta dois tipos de informações: as que todo mundo já conhecia e as não-confiáveis, que devem ter sido deduzidas pelo roteirista ou pelo próprio personagem.
O roteirista do longa, Dustin Lance Black, é geralmente referenciado como ativista pelos direitos dos homossexuais, e seu trabalho mais famoso, pelo qual ganhou um Oscar, é sobre o primeiro político americano abertamente gay: Milk (2008). A escolha de Lance Black, portanto, já indica uma faceta de Hoover que será explorada pelo filme, algo que pode ter deixado muitos americanos insatisfeitos. Afinal, para o tal “americano médio”, é inconcebível que um grande herói da justiça e dos bons costumes seja gay. Ainda há bastante preconceito na sociedade. O próprio Hoover era o primeiro a condenar e zombar de homossexuais, além de acumular outros vários prenconceitos. Não havia, entre os agentes contratados por ele, negros ou mulheres.
J. Edgar traz uma das melhores interpretações de Leonardo DiCaprio, o que não é pouco, analisando-se seus trabalhos mais recentes. Ele se prepara para sua quinta colaboração com Martin Scorsese (The Wolf of Wall Street), diretor que já arrancou dele ótimas performances, como em O Aviador (The Aviator, 2004), no qual vive o excêntrico milionário Howard Hughes. Como Hoover era um sujeito sem um pingo de carisma ou simpatia, DiCaprio faz um ótimo trabalho se segurando, agindo com discrição e fazendo as coisas acontecerem à sua volta, mas sem chamar atenção para si. O monstro que Hoover parece ter sido (pelo que lemos ou ouvimos na mídia) não chega a dar a cara, mas fica muito claro que ele não se mantém tantos anos como (supostamente) o segundo homem mais importante do país sendo bonzinho ou seguindo as leis à risca. Para cada presidente eleito, parece haver um dossiê pronto com todos os dados necessários para uma chantagem.
Os demais nomes do elenco também cumprem bem suas funções, mesmo que debaixo de quilos de maquiagem. Armie Hammer, o príncipe de Espelho, Espelho Meu (2012 – acima, com DiCaprio), é o único prejudicado pelo envelhecimento mal feito, mais parecendo um boneco de cera de Madame Tussauds. Mesmo assim, ele não fica atrás de Naomi Watts (de O Impossível, 2012) ou Judi Dench (de Skyfall, 2012), todos muitos competentes. Hammer vive Tolson, o braço direito e provável amante (platônico) de Hoover, enquanto Naomi é a secretária de extrema confiança e Judi faz a mãe, que transmite ao filhos todos os seus prenconceitos e receios.
Indo do que se sabe ao que se supõe, o roteiro mostra passagens históricas importantes para a história dos EUA, mas se preocupa mais em apresentar o homem por trás do mito. O sequestro do bebê Lindbergh, por exemplo, foi extensamente documentado, e no entanto sempre há detalhes até então desconhecidos. Há passagens em que se há a clara impressão que o filme está suavizando certos fatos e características de seu protagonista, mas há que se dar um desconto. Como é Hoover quem dita sua história para um funcionário datilografar, ele lembra da forma que acha mais interessante. Como Tolson coloca, as informações no livro que Hoover está escrevendo vão de exageros lisonjeiros a mentiras grosseiras. Em momento algum, diz-se que o filme é uma aula de história. Alguém razoavelmente informado saberá separar, no conforto do sofá, fatos de possibilidades, ou ao menos ficará com um pé atrás.
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