por Marcelo Seabra
Não é dos trabalhos mais fáceis dar continuidade a uma trilogia que por pouco não bateu a casa do bilhão de dólares. Os três filmes estrelados por Matt Damon na pele do espião amnésico Jason Bourne caíram nas graças do público e da crítica, o que costuma ser bem difícil. Por isso, quem assumisse a função teria uma tarefa ingrata, e Jeremy Renner topou. Depois de fazer dupla com Tom Cruise no novo Missão: Impossível – Protocolo Fantasma (Mission: Impossible – Ghost Protocol, 2011) e compor o supergrupo de Os Vingadores (The Avengers, 2012), Renner é o protagonista de O Legado Bourne (The Bourne Legacy, 2012), aventura que deriva dos romances de Robert Ludlum, mas só aproveita o título.
Ao invés de simplesmente colocar outro ator no mesmo papel, a saída foi contar uma história paralela, que não ignorasse o que havia sido feito com Bourne, mas que partisse para outros caminhos. Ninguém melhor para conduzir essa empreitada que o roteirista da trilogia original, Tony Gilroy, que estreou na direção com o ótimo Conduta de Risco (Michael Clayton, 2007) e o seguiu com Duplicidade (Duplicity, 2009). Na história, Gilroy retomou os outros projetos que eram mencionados de passagem, além do que deu origem a Bourne. Descobrimos que o Treadstone era apenas a ponta do iceberg, outros estavam mais desenvolvidos e davam soluções a problemas observados nos primeiros agentes, além de melhorar a performance física e mental deles com remédios e estudos médicos.
Aaron Cross, o personagem de Renner, é um agente passando por testes de sobrevivência no meio de uma floresta quando o projeto do qual faz parte é cancelado – afinal, o caso Bourne ganhou uma atenção indesejada da mídia. Todas as evidências devem ser sumariamente apagadas e Cross é uma delas. Claro que as coisas não serão tão fáceis para a agência que pretende acobertar tudo. O time de burocratas da série já contava com bons nomes, como David Strathairn, Scott Glenn, Joan Allen e Brian Cox, e ganha agora Edward Norton (de O Incrível Hulk, de 2008), o coronel que sabe tudo e que pode ser visto como o vilão. No entanto, ele é apenas uma peça no jogo do qual todos fazem parte e não tem medo de fazer o que julga necessário. A bela Rachel Weisz (de 360, 2012) completa o trio principal como uma das médicas envolvidas no desenvolvimento e acompanhamento do projeto, trabalhando por amor à ciência e ignorando os detalhes sujos envolvidos.
É muito interessante observar que essa nova trama faz parte de um universo maior e foi tomado o cuidado de ligar as informações. Dessa forma, sabemos que partes de O Legado Bourne são simultâneas às vistas anteriormente, o que dá um contexto adequado e aproveita o que o público já sabe. A desvantagem que o longa sofre é o fato de não trazer muita novidade: novamente, acompanhamos um espião buscando sobreviver aos seus criadores que passa a ser considerado um perigoso fugitivo. Os elementos que o cercam variam e os personagens são interessantes, o que facilita o trabalho do ótimo elenco. Renner tem a energia e o carisma necessários; Norton (acima, com Renner) compõe um sujeito que em momento algum fica estereotipado, ele analisa as opções e toma uma decisão friamente; e Rachel é forte e entra para somar, e não para ficar em perigo e ser salva.
Jason Bourne buscava descobrir quem ele era e a tensão dos longas ficava aí, o que não acontece com Cross. Mesmo sem grandes inovações, O Legado Bourne ainda é um filme de ação superior à maioria do que é feito hoje. As locações trazem veracidade e ver rostos conhecidos dos episódios anteriores demonstra um cuidado com a produção de não descartar o que estava estabelecido, mas ampliar aquela mitologia. Fica, no fim, a esperança de ver Cross e Bourne juntos, um dia. Esse é um filme ao qual eu gostaria de assistir.