por Marcelo Seabra
Depois de uma boa recepção em três importantes festivais de cinema (Paulínia, Montreal e Rio) e um longo período na geladeira, finalmente chega aos cinemas brasileiros Corações Sujos (2011), terceiro trabalho do diretor Vicente Amorim. A resposta favorável do público pôde ser observada também em Tóquio, onde o longa ocupou algo em torno de 50 salas antes de rodar o interior do país. A maioria dos diálogos é em japonês e, apesar de se passar em solo brasileiro, trata-se de uma história importante para o povo da terra do sol nascente.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, com a derrota das chamadas forças do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), o governo de Getúlio Vargas passou a pegar pesado com os cidadãos desses três países que viviam por aqui. Eles não podiam ouvir rádio, receber jornais ou mesmo usar a língua mãe. Essa falta de contato com o mundo exterior levou a um fenômeno extremamente interessante e trágico: a maioria dos 200 mil japoneses da colônia brasileira não acreditava na derrota do Japão, julgando ser apenas propaganda americana.
O jornalista Fernando Morais pesquisou e relatou esses fatos, desconhecidos por muitos, em seu livro Corações Sujos, publicado em 2000 pela Companhia das Letras. Como tratava-se de um registro documental, era preciso criar um roteiro ficcional usando os fatos como pano de fundo. Vicente Amorim, que fez sua estreia com o elogiado O Caminho das Nuvens (2003) e chamou a atenção internacionalmente com Um Homem Bom (Good, 2008), havia comprado os direitos de adaptação e convocou o roteirista David França Mendes (também de O Caminho…). Morais, que teve Olga (2004) levado aos cinemas (e é melhor esquecer isso), teria sua segunda obra filmada.
Algo que o filme deixa claro é o excesso de patriotismo dos japoneses e a confiança e devoção que dedicavam ao Imperador Hirohito. Ao aceitar o fim do conflito, Hirohito nunca admitiu derrota, dizendo em rede nacional que se tratava de um cessar fogo. O Japão nunca havia perdido uma guerra e uma rendição era impensável, já que o Imperador era tido como divino e imortal. Daí, a recusa dos imigrantes no Brasil em aceitar o impensável. Os poucos que, mesmo condoídos, reconheceram o fato eram tratados como traidores, dizia-se que tinham os corações sujos.
Para dar autenticidade à produção, Amorim foi ao Japão contratar suas estrelas. O fotógrafo Takahashi é vivido por Tsuyoshi Ihara (de Cartas de Iwo Jima, 2006, e 13 Assassinos, 2010 – ao lado). Nos outros papéis mais centrais estão Takako Tokiwa (como a esposa de Takahashi), Eiji Okuda (o Coronel Watanabe) e Shun Sugata (que faz o líder da comunidade e pai da garotinha Akemi). A paulistana Celine Fukumoto é o grande destaque, já que Akemi é quem liga os personagens e acaba participando dos momentos mais importantes. Completando o time brasileiro, estão os conhecidos Eduardo Moscovis e André Frateschi, que não chegam a acrescentar nada à trama e não têm um tratamento adequado pelo roteiro.
O protagonista criado por França Mendes retoma uma ideia que Amorim já apresentava em Um Homem Bom. Nele, Viggo Mortensen era um alemão que escolheu não se envolver com a guerra até o último momento possível, quando passou a fazer vista grossa para certas ações do Estado para não ser incomodado. Era um homem comum, tido como bom, que não fez nada para mudar o cenário, como outros milhares de alemães. É um pouco similar com o que ocorre com Takahashi, que se deixa levar pelo nacionalismo exacerbado e entra para a turma do Coronel Watanabe. É preciso tentar decifrar a psique japonesa para entender seu comportamento, e o filme mostra bem o espírito desse povo.
Corações Sujos tem um resultado bem satisfatório. É belamente filmado, aqui e ali lembrando produções japonesas, com cenas poéticas e momentos de reflexões internas. A música, geralmente muito acertada, é usada um pouco além do necessário, mas não chega a incomodar. Apesar de ter apenas 90 minutos de duração, parece ser mais longo por ser mais contemplativo que o que se vê por aí. O que não é ruim, basta estar no espírito adequado e aproveitar a experiência.