por Marcelo Seabra
George Smiley é um personagem fantástico. Nas mãos de um grande ator, é certamente uma das melhores figuras do ano no cinema. E, sem exagero, pode ser o papel que dará a Gary Oldman um merecido Oscar. Smiley é o protagonista de O Espião que Sabia Demais (Tinker Tailor Soldier Spy, 2011), nova adaptação do livro clássico de John le Carré, que já havia virado uma minissérie em 1979.
Oldman, hoje muito lembrado como o Tenente/Comissário Gordon da franquia de Batman, mostra o que é um homem que passou anos sendo treinado para esconder suas emoções, resistir à tortura, enganar e o que mais um espião precisar fazer. Mas não é um espião como James Bond ou Ethan Hunt (de Missão: Impossível). Está mais para O Bom Pastor (The Good Shepherd, 2006), com personagens que investigam, analisam, debatem, mas dificilmente pulam de carros em movimento, desviam de tiros ou usam outros artifícios do gênero.
Vivendo um ótimo momento, Oldman não está sozinho: se houvesse um prêmio da Academia para melhor elenco, como acontece em outras agremiações, seria barbada. Desde Assassinato em Gosford Park, de 2001, ou Simplesmente Amor (Love Actually, 2003), não se viam tantos britânicos competentes juntos. John Hurt, Colin Firth, Toby Jones, Benedict Cumberbatch, Tom Hardy e Mark Strong são alguns deles.
David Cornwell, mais conhecido como John le Carré (ao lado), era ele mesmo um espião do MI6, o serviço secreto inglês, e publicou seu primeiro livro ainda empregado pela agência. Seus livros originaram obras como O Jardineiro Fiel (The Constant Gardener, 2005), O Alfaiate do Panamá (The Tailor of Panama, 2001) e A Casa da Rússia (The Russia House, 1990). Poucos descreveram a vida desse tipo de profissional tão bem, e é isso o que torna suas histórias mais interessantes: não se trata apenas de desvendar o mistério final, o melhor é acompanhar o desenvolvimento dos personagens e descobrir suas nuances.
A trama de O Espião que Sabia Demais começa em plena Guerra Fria, com uma missão que Control, o enigmático chefe vivido por Hurt, atribui a Jim Prideaux (Strong). Tudo sai errado e Control e seu braço direito, Smiley, são aposentados compulsoriamente. Control tinha uma teoria, tida como paranóica, de que havia um traidor no alto escalão. Quando membros do governo começam a ter essa mesma suspeita, Smiley é convidado a voltar e investigar o grupo liderado por Percy Alleline (Jones), que assumiu o MI6.
A investigação de Smiley começa a revirar a história de diversas pessoas e inúmeros personagens são apresentados ou mencionados. Por isso, é necessário um certo grau de atenção que grande parte do público não está preparada (ou disposta) a dedicar. Não foram duas ou três pessoas que saíram no meio da sessão… E se, em Missão: Impossível 4, já tinha gente narrando ou explicando a história (ou simplesmente repetindo as falas), imagine o que pode acontecer aqui. Os roteiristas, Peter Straughan (de Os Homens que Encaravam Cabras, 2009) e Bridget O’Connor, honram a história, evitando simplificá-la.
A ambientação setentista é primorosa, lembrando obras que foram realmente realizadas naquela década. O diretor sueco Tomas Alfredson, que apareceu para o mundo com o Deixe Ela Entrar original (de 2008), faz sua estreia em Hollywood com os dois pés direitos. Apesar de parecer mais longo do que suas duas horas, com muitos diálogos complexos e pouca ação, O Espião que Sabia Demais traz aulas de interpretação e faz seus espectadores pensarem. Não é a toa que tem se mostrado uma unanimidade entre público e crítica.