Crise financeira chega aos cinemas com ótimo elenco

por Rodrigo Seabra

O Dia Antes do Fim (Margin Call, 2011) entra em cartaz nesta sexta depois de ver sua estreia adiada diversas vezes no Brasil e de fazer pouca bilheteria nos cinemas americanos, apesar do elenco de peso. Além de dois protagonistas bem conhecidos por suas atuações na TV – Zachary Quinto (de Heroes) e Penn Badgley (de Gossip Girl) –, temos outros personagens centrais vividos por gente do calibre de Kevin Spacey (Oscars por Os Suspeitos e Beleza Americana) e Stanley Tucci (de Um Olhar do Paraíso, 2010), e ainda Paul Bettany (de O Código Da Vinci), Jeremy Irons (o Papa Rodrigo Borgia da série The Borgias), Simon Baker (mais conhecido como O Mentalista) e, fazendo o desconto, uma Demi Moore sem credibilidade para seu papel.

O impacto pouco significativo do filme pode ser creditado ao seu tema naturalmente complicado, mas não podemos ignorar também a ressaca da crise econômica mundial iniciada (pelo menos formalmente) em 2008. Os efeitos, afinal, ainda estão longe de serem totalmente esquecidos pela classes média e baixa nos Estados Unidos. O próprio diretor e roteirista J.C. Chandor, veterano em comerciais e documentários, mas estreante no circuito comercial, tirou a ideia do filme de sua experiência pessoal com a aquisição e renovação de um imóvel. Perde o grande público, por não ter apreciado nos cinemas as boas atuações e o conciso retrato de época que o filme traz, na esteira da maioria das críticas que o classificaram entre “bom”, “excelente” e “o melhor filme de um estreante em 2011”.

O suspense não se trata, acima de tudo, de uma aula de História; Margin Call não mostra toda a escalada de acontecimentos que levaram à crise. A ação se passa em apenas 24 horas, partindo de um início de expediente incomum em uma agência de investimentos dos EUA (baseada no banco Lehman Brothers) até a abertura do escritório no dia seguinte. O dia começa com uma demissão em massa (de surpresa, claro) no departamento de controle de riscos, durante a qual um modesto gerente descobre a inconsistência nos números da firma. A partir daí, um grupo de executivos, que inclui de corretores ao altíssimo escalão, passará as horas até a manhã seguinte fazendo o possível para não apenas amenizar, mas também sair por cima da quebra iminente.

Como o sempre mal escolhido título nacional procura esclarecer, a crise não será solucionada a contento. Apesar de as urgências se mostrarem bastante diferentes, é algo como o visto em Vôo United 93 (2006): sabemos que uma desgraça vai acontecer, não sabemos como. Aquele dia de 2008 veria a primeira grande instituição financeira desmoronar e dar o pontapé inicial na crise, ao perceber que os investimentos que fazia estavam baseados em cálculos completamente errados.

Nunca é a intenção de Chandor (ao lado) obscurecer os detalhes, criar tensão por falhas de comunicação ou dar ao filme uma atmosfera complicada de propósito. Ao contrário, tudo é dito abertamente e há uma constante preocupação em recapitular e em inteirar os personagens que vão aos poucos se incorporando à narrativa. Em dado momento, um deles inclusive pede aos outros que lhe descrevam o quadro da maneira mais simples que eles puderem imaginar. São muitos os momentos em que vislumbramos algum detalhamento, até um pouco de teoria econômica aqui e ali. É sempre dada a chance de compreensão.

No entanto, a constatação do espectador dedicado, porém leigo em economês, é que, dada a magnitude dos acontecimentos, nem sempre haverá como fugir da complicação própria do tema. Para entender a história integral e profundamente, somos obrigados a encarar um assunto de extrema aridez que, em mais de um momento, é descrito pelos próprios personagens (executivos de finanças, vale lembrar) como “complexo demais”. Longe de deixar a história “boa” ou “ruim”, é uma característica que torna o filme um pouco pesado – para muitos, isso certamente significa mais instigante.

O sucesso de tais explicações só pode ser entendido como relativo, mas não que isso vá afugentar o espectador comum. Em um bom filme cuja narrativa é pragmática, temos o suficiente para captar a urgência do início, a tensão experimentada no decorrer e a gravidade do desfecho. Mas fica também claro que o impacto do filme, e talvez sua mais inteligente sacada, em grande parte se sustenta no fato de ele ser baseado em acontecimentos reais. Conhecemos as consequências do que aconteceu, e isso nos auxilia na compreensão do todo. Afinal, as engrenagens da crise, como na vida real, ficam irremediavelmente semi-obstruídas pela terminologia e pelas multiniveladas maquinações do sistema financeiro.

Há cenas que procuram transparecer dramas e posicionamentos pessoais, ainda que eles sejam, em sua maioria, bem distantes do meu ou do seu. Trata-se de tubarões, poucos são os peixes pequenos. Só que tudo é descrito com tanta enormidade em Margin Call que esses momentos de humanidade formam uma espécie de narrativa paralela, pequenos empecilhos ao desenvolvimento da ação principal. Essa ocasional quebra da tensão acaba tendo um efeito que dificilmente seria intencional, mas que funciona por seu lado: reflete o posicionamento dos altos executivos de que as pessoas são apenas inconvenientes menores no caminho do dinheiro.

Tucci, Quinto, Spacey, Irons, Baker, Demi, Badgley e Bettany!

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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