por Marcelo Seabra
A Pele que Habito (La Piel que Habito, 2011) é um filme diferente. Isso não significa ser bom ou ruim, apenas que não se parece com nada que já tenhamos visto. Se isso, por si só, é mérito, palmas para Pedro Almodóvar. Exagerar e fazer algo estapafúrdio pode ser original, mas passa longe do que significa fazer um bom filme. Chocar a qualquer custo é algo que muito filme ruim de terror por aí faz, mas é criticado por não ter um nome importante por trás.
Após colocarem um ponto final numa briga nunca explicada, Almodóvar e seu antigo colaborador Antonio Banderas voltam a trabalhar juntos, o que não faziam desde Ata-me (Átame!), de 1990. Banderas chamou a atenção do mundo, o que lhe permitiu tomar o rumo dos Estados Unidos e se tornar um latin lover, trabalhando com o amigo. Não é por acaso que Banderas foi o escolhido para entregar o Oscar a Almodóvar, ganho pelo roteiro de Fale com Ela (Hable con Ella, 2002).
A trama de A Pele que Habito – adaptada do livro Tarântula, do falecido Thierry Jonquet – é daquelas que vão e voltam, com o suporte de flashbacks apenas para tentar manter o suspense. Robert, o personagem de Banderas, é um brilhante cirurgião que trabalha no desenvolvimento de um tipo de pele que é bem mais resistente que a nossa. Ele parece obcecado pelo assunto desde que perdeu a esposa, incinerada após um acidente de carro. O doutor é recriminado pelos colegas por lidar com material geneticamente modificado, e ninguém pode suspeitar que ele já até trabalha com uma cobaia humana.
A partir dessa premissa, Almodóvar (na foto) aproveita para fazer o que mais gosta: mostrar perversões, sujeitos psicóticos, ataques sexuais e por aí vai. Ele se conteve, nesse filme, no que diz respeito às cores e aos cenários extravagantes (leia-se bregas), buscando opções mais sóbrias, clássicas. A direção de arte e o figurino ajudam, e a trilha sonora tenta criar o clima nos pontos mais importantes. Mas os rumos que a história toma são absurdos demais para manterem o interesse do público, não há um pingo de identificação com qualquer dos personagens e os destinos deles não nos importam minimamente.
A fama alcançada pelo diretor e roteirista espanhol é grande e de forma alguma desmerecida. Ele tem várias ótimas obras no currículo, como Volver (2006) e Tudo Sobre Minha Mãe (Todo Sobre Mi Madre, 1999). Mas não acerta sempre, como percebemos no recente e cansativo Abraços Partidos (Los Abrazos Rotos, 2009). Parece que muitos fãs e intelectuais de plantão ficam apenas aguardando que chegue um novo trabalho para, automaticamente, cobri-lo de honras e aplausos. É preciso parar e pensar no que o longa realmente oferece. Os espanhóis já percebem isso, tanto que nem indicaram o longa para a pré-disputa ao Oscar como o representante do país.
Várias discussões interessantes são levantadas, por exemplo sobre os rumos e os limites éticos da ciência, a vingança e os riscos do pioneirismo. Os assuntos são abordados e, quando não se mostram mais necessários, são descartados, ficando sempre na superfície. Banderas parece seguir as ordens de seu capitão direitinho e faz um bom trabalho, apesar de caricato, e a veterana Marisa Paredes (de A Espinha do Diabo, 2001 – na foto, à direita) mais uma vez é impecável. A bela Elena Anaya (na foto, à esquerda) fica limitada pelo papel e as revelações que a cercam são desastrosas, minando o suspense que o diretor pretendia criar.
O final, marcado por confrontos sem graça, é alcançado após diversas situações constrangedoras (como, por exemplo, a que envolve um homem vestido de tigre) e equivocadas mudanças nas relações entre os personagens. Almodóvar tentou misturar seus temas usuais, mais bem aceitos em novelas mexicanas, com ficção-científica e terror, criando uma das surpresas mais desagradáveis do ano. Quando um sujeito vai assistir a Amanhecer (Breaking Dawn, 2011), ele já espera algo horroroso. A Pele que Habito cria a expectativa e não passa de decepcionante.
Concordo inteiramente com a crítica. Na realidade, creio que você foi até suave, este roteiro está ruim mesmo, lembrou-me o non sense das pronochanchadas do início dos anos 80.