Os clichês de sempre numa banda só de meninas

por Marcelo Seabra

Em uma época em que o rock era dos meninos, uma banda de meninas quis mexer um pouco nesse cenário. Foram quatro anos de excessos e sucesso, o suficiente para que a história chegasse ao cinema. The Runaways – Garotas do Rock acompanha a história de Joan Jett e Cherie Currie, além das outras integrantes da banda, que ficam em segundo plano. Talvez, por ter Joan na produção executiva e ser baseado no livro de Cherie, o filme não se preocupe muito com as demais. E o outro papel importante é o do empresário Kim Fowley, que reuniu essa improvável trupe.

À frente do elenco está a jovem dupla Kristen Stewart e Dakota Fanning, colegas na novela Crepúsculo (a partir de Lua Nova, de 2009). Apesar da pouca idade, ambas defendem seus papéis com empenho louvável, inclusive cantando. Segundo o jornal The New York Times, Joan teria se confundido quando ouviu Kristen cantando, achou que era ela própria. E Cherie alega que Dakota é sua atriz favorita, não havendo outra melhor para interpretá-la. Exageros à parte, outro a ser elogiado é Michael Shannon (indicado ao Oscar por Foi Apenas Um Sonho – ao lado), que rouba suas cenas como Fowley, que treina as meninas como em um acampamento militar e as faz seguir o caminho que as levaria à fama.

Lançado no Festival de Sundance no ano passado, o longa causou certo barulho ao mostrar indícios de envolvimento sexual entre as protagonistas, inclusive com uma bem comportada cena de beijo que resume o que acontecerá em seguida. Sexo, drogas e rock ‘n’ roll não faltam no roteiro da italiana Floria Sigismondi, que também assume a direção. Em um filme que ressalta a capacidade feminina de quebrar barreiras, o comando teria que estar nas mãos de uma mulher. Uma cena, inclusive, traz um exemplo bem claro do preconceito masculino, quando uma banda de homens faz pouco das meninas e não permitem que elas passem o som. Supostamente, trata-se dos canadenses do Rush.

Como relato histórico, o filme fica devendo por causa do não envolvimento de Lita Ford e Jackie Fox, que não aceitaram a oferta de mil dólares para permitirem o uso de suas histórias. Como é sabido que Lita e Joan não se dão bem, Lita acaba sendo mostrada como uma figura desagregadora, que teria contribuído para o fim das Runaways. E sua contribuição à banda passa batido. Jackie nem é mencionada, sendo substituída pela ficcional Robin. Os anos de glória parecem ter acontecido em um espaço bem mais curto de tempo, já que tudo avança muito rápido, e a própria carreira delas é encurtada em três anos. Liberdades necessárias para que tudo coubesse em um filme, parece.

Mas os clichês de filmes de rock não escapam em The Runaways. Os sinais de sucesso, os desgastes e os momentos mais tensos são os mesmos de dezenas de outros filmes, que podem ser vistos de forma condensada e divertida em Quase Famosos (Almost Famous, 2000). E há longos momentos cobertos pelas músicas, que transformam partes inteiras do filme em videoclipes cansativos. As músicas podem ter sido uma grande novidade na época e escandalizado a sociedade, mas hoje soam como bobagem adolescente com uma raiva fabricada, como diversas bandas de rock de boutique que tocam no rádio.

The Runaways tem seus momentos como retrato de uma época, ou como exemplo do estilo de vida glam. Mas há filmes bem mais interessantes, até mesmo na ficção – caso de Velvet Goldmine, de 1998. É provável que a maior parte do público do longa deva ter sido formada por fãs de Crepúsculo, que ficaram curiosos e foram conferir a Bella Swan como roqueira. Obviamente, o único ponto em comum entre as personagens é a intérprete, que demonstra ter futuro fora da “Malhação” com vampiros.

As atrizes e suas personagens

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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